Amílcar Barbuy foi um dos maiores ícones dos primórdios do futebol no Brasil e pendurou as chuteiras vestindo a camisa verde do Palestra Italia. Oriundo do hoje arquirrival Corinthians, é um caso raro de jogador que ganhou o respeito eterno das duas torcidas e alcançou o patamar de ídolo em ambas as agremiações. O craque fez parte de uma das mais famosas linhas médias palestrinas em todos os tempos: Pepe, Amílcar e Serafini – linha esta que repetiu sucesso também na Seleção Paulista (mais tarde, Goliardo substituiu Amílcar e o novo trio ficou conhecido como Sisi, Gasosa e Guaraná, referência às mais populares marcas de refrigerante da época).

Ao longo da maior parte da década de 20 (quase todo o período entre 1924 a 1930), Amílcar foi também o principal técnico do Palestra Italia. Naquela época, ainda não havia a profissão de treinador como existe hoje (a função passou a ser regulamentada nos anos 30), e na maioria das vezes o capitão do time acumulava o cargo de técnico. Mesmo com vários gigantes no time, muitos veteranos de Verdão como Picagli, Bianco e Heitor, era de Amílcar essa honraria – tanto que ele figura até hoje nas listas dos 10 técnicos que mais comandaram e mais venceram pelo Palmeiras em toda história e nas listas dos 10 que mais comandaram e venceram pelo Palmeiras dentro do Parque Antarctica/Palestra Italia.

Maior centromédio da sua geração. Genial, líder e exemplo de caráter. Adjetivos de uma lenda que também está intimamente ligada ao início da história do Palmeiras. Fundado em 26 de agosto de 1914, o Palestra Italia entrou em campo pela primeira vez em 24 de janeiro de 1915 com vários jogadores que atuavam por outras equipes. Isso porque o clube, que almejava representar a grandeza da colônia italiana em São Paulo, ainda estava em formação e aberto a todos que se identificassem com a causa. Muitos atletas de renome aderiram, entre eles, Amílcar.

Nascido em Rio das Pedras, cidade do interior paulista, em 29/04/1893, Amílcar se mudou para São Paulo ainda menino e era um dos 11 representantes palestrinos naquele dia, sendo um dos cinco que vieram do Corinthians para atuar naquela e em algumas outras partidas ao longo da temporada de 1915. O primeiro duelo da história alviverde, com Amílcar em campo, terminou com um triunfo por 2 a 0 sobre a equipe do SC Savoia, de Votorantim, em plena casa do adversário – Bianco e Alegretti marcaram os gols, de pênalti.

Os outros quatro jogadores que vieram do rival para participar daquela partida inaugural foram Fúlvio, Police, Américo Fiaschi e Bianco – este último, ao contrário dos demais colegas, optou por não retornar ao clube alvinegro, permanecendo no Palestra Italia por mais 15 anos e se tornando um dos primeiros grandes ídolos da história do Maior Campeão do Brasil. Estavam em campo também atletas que vieram do C.A. Paulistano (o goleiro Stillitano), do São Paulo Railway A.C (Bonato) e do C.A. Ypiranga (Allegretti), além dos que não estavam filiados a nenhuma agremiação naquele momento (Ferré, Cavinato e Valle).

Antes do Corinthians, Amílcar havia feito parte de um time de várzea chamado Botafogo, do bairro do Bom Retiro (região central de SP), onde começou sua trajetória e jogou até 1912, inicialmente como centroavante. Após a primeira partida da história do Palmeiras, ainda disputou mais um duelo com a camisa do Palestra em 1915 – ao todo, o Verdão entrou em campo seis vezes naquela temporada, todas partidas amistosas.

Em 1916, ano em que o Alviverde disputou pela primeira vez o Campeonato Paulista, Amílcar já retornara ao Corinthians. Por lá, permaneceu por mais sete temporadas e conquistou outros três títulos paulistas (1916, 1922 e 1923 – o primeiro havia sido em 1914), atingindo status de craque irretocável do futebol nacional. Primeiro jogador da história corintiana a vestir a camisa da Seleção Brasileira, na disputa do Sul-Americano  de 1916, Amílcar jogou ainda outras três  edições da competição continental: em 1917, em 1919 e em 1922, sendo campeão nestas duas últimas ocasiões ao lado de craques como Heitor e Arthur Friedenreich (Paulistano), dois dos cinco maiores artilheiros da história do Campeonato Paulista até hoje.

“O futebol chegou ao Brasil em 1894, mas somente em 1919, com a primeira conquista da Seleção Brasileira no Campeonato Sul-Americano, sendo Amílcar o capitão do time, que o esporte nasceu pra valer no país”, diz trecho do livro ‘O Generalíssimo Amílcar Barbuy’, biografia do jogador escrita pelo jornalista Maurício Sabará, em 2015.

Em 1924, já recuado como centromédio (posição que passou a atuar desde 1918), o ídolo alegou motivos pessoais e saiu do Corinthians. Publicações do período apontam uma briga entre o atleta e a instituição, mas não revelam o motivo. Amílcar é considerado pelos próprios corintianos o primeiro ídolo da história alvinegra, ao lado de Neco, o que dá dimensão do anúncio da sua saída.

“O pai do Amílcar (Giovane Barbuy) tinha um bar em frente à sede do Corinthians, mas esse foi tomado por um diretor nepotista. Foi no final de 1923. Ele saiu do clube esperando que fosse chamado de volta, com a justiça reparada, o que não aconteceu. Poucos meses depois, teve vários convites do Palestra, com ele nunca aceitando, com o Américo (Fiaschi), que jogou com ele, insistindo que aceitasse. Até que um dia, aceitou”, conta Sabará, em entrevista ao Site Oficial do Palmeiras. “Gosto sempre de frisar que o Amílcar não trocou de clube, mas, sim, saiu do Corinthians e ficou parado. Depois que houve o convite quando estava sem clube. Há quem pense se tratar de um traidor, o que não foi”, completou.

No ano da chegada de Amílcar, o Palestra Italia não participou da edição de 1924 do Campeonato Paulista devido a uma desistência em protesto contra más arbitragens – os estaduais, até então, eram as únicas competições oficiais no calendário do futebol brasileiro. Portanto, naquela temporada, a equipe alviverde só disputou amistosos e duas partidas do Torneio Início (nesse ano, Amílcar jogou 17 vezes e marcou três gols).

Desde seu primeiro título paulista, em 1920, o Palestra Italia havia batido na trave três vezes com os vice-campeonatos de 1921, 1922 e 1923 (o que já acontecera também em 1917 e 1919). Em 1925, o Verdão encerrou o Paulista na quinta colocação. E em 1926, finalmente, veio a libertação daquilo que estava engasgado: o grito de campeão, com 100% de aproveitamento, sob o comando dos líderes Amílcar, Bianco e Heitor.

Embalado pela conquista do Paulista anterior, o Palestra Italia repetiu o feito na temporada seguinte e sagrou-se, pela primeira vez em sua história, bicampeão estadual. A vitória que garantiu o troféu ocorreu em plena Vila Belmiro e diante de um dos melhores times que o Santos já montou – liderado por Araken Patusca e Feitiço, o ataque santista marcou 100 gols em 16 jogos, atingindo uma impressionante média de 6,25 tentos por partida. Mas o poderio ofensivo alvinegro não foi capaz de superar o conjunto da equipe alviverde. Amílcar não esteve em campo no jogo decisivo, porém foi peça fundamental na maior parte da campanha.

Ainda em 1927, acontece talvez a história mais curiosa de toda a carreira vitoriosa de Amílcar: ele peitou nada menos que o presidente da República! Como representante do Palestra Italia, o jogador foi o capitão da Seleção Paulista na disputa do Campeonato Brasileiro de seleções daquele ano. E após passar pela Seleção do Maranhão (13 a 1) e pela Seleção do Espírito Santo (5 a 0), os paulistas encararam, na decisão, a Seleção do Rio de Janeiro, em 13 de novembro (os cariocas haviam batido a Seleção do Ceará, por 10 a 0, e a Seleção de Minas Gerais, por 5 a 3). Vale lembrar que, no período, ainda não existia uma competição que reunisse clubes para a disputa de um Nacional (esta só surgiu em 1959) e, desta forma, o Brasileiro da época era decidido entre os combinados estaduais – nos oito primeiros anos de disputa consecutiva, entre 1922 e 1929, São Paulo ganhou quatro troféus (todos com Amílcar em campo) e o Rio de Janeiro ganhou os outros quatro.

Na decisão diante do combinado carioca, os paulistas foram bastante prejudicados pela arbitragem. O jogo aconteceu no colossal São Januário – que era o maior estádio da América Latina, inaugurado meses antes, em 21 de abril de 1927 –, e os donos da casa venciam por 1 a 0, tento anotado por Oswaldinho. Com gol de Feitiço, craque do Santos e que mais tarde também jogaria no Palestra, veio o empate e, não fosse um pênalti claro a favor dos paulistas suprimido pelo árbitro Ary Amarante, poderia ter sido a virada do time de Amílcar.

Não bastasse essa infração clara não assinalada para o escrete bandeirante, o juiz ainda anotou um pênalti inexistente para a equipe local no lance seguinte. Nas tribunas de honra, como espectador naquele dia, estava Washington Luís, carioca de Macaé, presidente da República entre 1926 e 1930. Revoltados, os paulistas pressionaram o árbitro que proferiu a seguinte frase: “Se eu não fizer isso, me matam”. Após ouvir aquilo, Amílcar não hesitou e tirou o time de campo. Em meio à agitação e o calor do momento, não demorou muito e um emissário presidencial levou o recado ao capitão do time de que Washington Luís fazia a exigência de que a bola voltasse a rolar imediatamente. A resposta de Amílcar foi de bate-pronto: “Avise ao governante que ele manda no Brasil, mas no campo quem manda sou eu”.

As ações catastróficas do árbitro não terminaram por aí. Em primeira pessoa, na época, Amílcar relatou o desfecho do episódio ao jornalista Flávio Iazzeti, para o jornal ‘O Esporte’, em entrevista resgatada em matéria publicada por Marcello de Vico, bisneto do próprio craque, no UOL, em 2019. “Eu, que não o conhecia [presidente], disse para ser informado ao governante que ele manda no Brasil, mas no campo quem mandava era eu, e o jogo não prosseguiria com a marcação da penalidade. E não cedemos. Por fim, Ary Amarante [árbitro] mandou bater a pena máxima e Nilo [do time carioca], sem guardião no arco, chutou-a para fora. Culminou, então, o erro do árbitro, mandando repetir o tiro, para que Nilo fizesse o tento que assim deu a vitória dos cariocas por 2 a 1, quando em regra o resultado deveria 1 a 1 e os paulistas perderam por não continuar na luta. Foi esse, aliás, o único ato de indisciplina da minha carreira”.

Algumas fontes citam este episódio, de forma equivocada, tendo o jogador Luis Macedo Matoso (Feitiço) como personagem central dessa história. Entretanto, o próprio Feitiço, em 1965, na ocasião do sepultamento de Amílcar, concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo (cuja declaração foi publicada em 26/08/1965) confirmando que tal acontecimento havia sido com Amílcar.

Após 108 jogos com a camisa do Maior Campeão do Brasil (76 vitórias, 13 empates e 19 derrotas), além de 13 gols marcados, Amílcar escolheu o Verdão para pendurar as chuteiras. A sua despedida foi em 08/06/1930, em um empate por 1 a 1 com o Germânia-SP (atual Pinheiros), no Parque Antarctica, em disputa válida pelo Campeonato Paulista daquele ano.

Logo após findar sua excepcional carreira no Palestra Italia, foi convidado pela Lazio-ITA para ser o técnico do time, tornando-se assim o primeiro brasileiro a trabalhar com futebol em terras italianas. À época, o esporte no Brasil atravessava um momento de opiniões divididas sobre a manutenção do amadorismo ou a profissionalização dos atletas, o que ocorreu de fato em 1933. Nomes como os de Ministrinho, Serafini e Pepe deixaram o Palestra pouco depois de Amílcar para atuar no futebol europeu. No rival Corinthians, por exemplo, Del Debbio, Filó, Ratto e De Maria tomaram o mesmo rumo. A Lazio foi o destino de boa parte deles.

Amílcar, inclusive, foi um dos últimos grandes jogadores que não ganharam dinheiro com o futebol. Naquele tempo, jogava-se muito mais por amor do que por alguma recompensa. Pelo contrário: por muito tempo era necessário estar com a mensalidade da associação em dia para participar ativamente do clube. Tanto que o craque trabalhou como impressor gráfico até se aposentar, e ainda teve uma loja de materiais elétricos.

Na Lazio, além de técnico, Amílcar foi a campo uma vez. Em uma partida contra o Bari, em 1931, o time branco-celeste estava bem desfalcado devido a algumas baixas por lesão. Foi aí que Amílcar, inscrito como atleta apesar de ter sido contratado para função de técnico, jogou para minimizar a desvantagem do time e acabou dando um show à parte. O veterano, que aos 38 anos se tornou o atleta mais velho a estrear na Serie A Italiana (recorde que só foi batido pelo goleiro Maurizio Pugliesi, do Empoli, em 2016), foi essencial para a vitória. Os jornais do dia seguinte noticiaram a façanha de Amílcar, que “comandou o jogo como um general comanda as suas tropas”.

Não era a primeira vez que Amílcar recebia tal reverência. “No dia 12 de janeiro de 1930, houve a final do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais de 1929 entre paulistas e cariocas. Amílcar Barbuy era o técnico do Selecionado Paulista. O centro-médio titular era o Goliardo, que não estava jogando bem, então Amílcar assumiu a posição na decisão. Sua atuação foi tão boa na conquista, que, no dia seguinte, a capa do jornal A Gazeta estampava os dizeres: ‘O Generalíssimo da Vitória’, sendo ele o principal comandante do triunfo dos bandeirantes. Foi por esse momento que me baseei para tal citação no nome do livro”, explica Sabará.

O craque também teve duas taças em sua homenagem ganhas pelo Verdão: uma em 27/07/1924, quando o Palestra Italia faturou o Troféu Amílcar Barbuy ao vencer um jogo festivo diante do Botucatuense, no Estádio Municipal de Botucatu, por 3 a 0, gols de Heitor (duas vezes) e Coe – Amílcar como capitão; e outra em 24/06/1930, quando o segundo quadro do Palestra ganhou a Taça Amílcar Barbuy com vitória por 4 a 2 diante do segundo quadro do São Paulo da Floresta, em partida amistosa disputada na Chácara da Floresta – neste, Amílcar não atuou.

“Ele foi para o Palestra como um jogador consagrado. Na época, era comum ter taças em sua homenagem, ao Neco, ao Friedenreich, tanto em São Paulo e quanto no interior. Quando os grandes times da capital iam às cidades interioranas, haviam grandes festas no local”, conta Sabará.

Hoje nome de uma rua no bairro do Parque São Domingos, zona noroeste de São Paulo, Amílcar faleceu em São Paulo, no dia 24/08/1965, aos 72 anos. Em seu funeral, uma única bandeira estava sobre o caixão: a bandeira do Palmeiras.

TÍTULOS DE AMÍLCAR BARBUY NA CARREIRA

Seleção Brasileira

Copa América: 1919 e 1922

Seleção Paulista

Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais: 1922, 1923, 1926 e 1929

Palestra Italia

Campeonato Paulista: 1926, 1926 (edição extra) e 1927
Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo: 1926
Taça Competência: 1926 e 1927
Torneio Início do Campeonato Paulista: 1927 e 1930

Corinthians

Campeonato Paulista: 1914, 1916, 1922 e 1923
Taça Competência: 1922 e 1923
Torneio Início do Campeonato Paulista: 1919, 1920 e 1921

Saiba mais:
>Especial Derby: TOP 10

 

Amílcar Barbuy 29 de abril de 1893
Rio das Pedras-SP 24 de agosto de 1965

Posição: Meia

Número de temporadas: 8

Clube anterior: Corinthians-SP

Jogos:

108 (76 vitórias, 13 empates e 19 derrotas)

Estreia: Palestra Italia 2x0 Savóia-SP (24/01/1915)

Último jogo: Palestra Italia 1x1 Germânia (08/06/1930)

Gols: 13

Primeiro gol: Palestra Italia 9x0 Rio Claro (17/02/1924)

Último gol: Palestra Italia 4x1 Guarani (11/09/1927)

Principais títulos:

Campeonato Paulista em 1926 e 1927; Campeonato Paulista Extra em 1926; Torneio Início do Campeonato Paulista em 1927

Amílcar Barbuy foi um dos maiores ícones dos primórdios do futebol no Brasil e pendurou as chuteiras vestindo a camisa verde do Palestra Italia. Oriundo do hoje arquirrival Corinthians, é um caso raro de jogador que ganhou o respeito eterno das duas torcidas e alcançou o patamar de ídolo em ambas as agremiações. O craque fez parte de uma das mais famosas linhas médias palestrinas em todos os tempos: Pepe, Amílcar e Serafini – linha esta que repetiu sucesso também na Seleção Paulista (mais tarde, Goliardo substituiu Amílcar e o novo trio ficou conhecido como Sisi, Gasosa e Guaraná, referência às mais populares marcas de refrigerante da época).

Ao longo da maior parte da década de 20 (quase todo o período entre 1924 a 1930), Amílcar foi também o principal técnico do Palestra Italia. Naquela época, ainda não havia a profissão de treinador como existe hoje (a função passou a ser regulamentada nos anos 30), e na maioria das vezes o capitão do time acumulava o cargo de técnico. Mesmo com vários gigantes no time, muitos veteranos de Verdão como Picagli, Bianco e Heitor, era de Amílcar essa honraria – tanto que ele figura até hoje nas listas dos 10 técnicos que mais comandaram e mais venceram pelo Palmeiras em toda história e nas listas dos 10 que mais comandaram e venceram pelo Palmeiras dentro do Parque Antarctica/Palestra Italia.

Maior centromédio da sua geração. Genial, líder e exemplo de caráter. Adjetivos de uma lenda que também está intimamente ligada ao início da história do Palmeiras. Fundado em 26 de agosto de 1914, o Palestra Italia entrou em campo pela primeira vez em 24 de janeiro de 1915 com vários jogadores que atuavam por outras equipes. Isso porque o clube, que almejava representar a grandeza da colônia italiana em São Paulo, ainda estava em formação e aberto a todos que se identificassem com a causa. Muitos atletas de renome aderiram, entre eles, Amílcar.

Nascido em Rio das Pedras, cidade do interior paulista, em 29/04/1893, Amílcar se mudou para São Paulo ainda menino e era um dos 11 representantes palestrinos naquele dia, sendo um dos cinco que vieram do Corinthians para atuar naquela e em algumas outras partidas ao longo da temporada de 1915. O primeiro duelo da história alviverde, com Amílcar em campo, terminou com um triunfo por 2 a 0 sobre a equipe do SC Savoia, de Votorantim, em plena casa do adversário – Bianco e Alegretti marcaram os gols, de pênalti.

Os outros quatro jogadores que vieram do rival para participar daquela partida inaugural foram Fúlvio, Police, Américo Fiaschi e Bianco – este último, ao contrário dos demais colegas, optou por não retornar ao clube alvinegro, permanecendo no Palestra Italia por mais 15 anos e se tornando um dos primeiros grandes ídolos da história do Maior Campeão do Brasil. Estavam em campo também atletas que vieram do C.A. Paulistano (o goleiro Stillitano), do São Paulo Railway A.C (Bonato) e do C.A. Ypiranga (Allegretti), além dos que não estavam filiados a nenhuma agremiação naquele momento (Ferré, Cavinato e Valle).

Antes do Corinthians, Amílcar havia feito parte de um time de várzea chamado Botafogo, do bairro do Bom Retiro (região central de SP), onde começou sua trajetória e jogou até 1912, inicialmente como centroavante. Após a primeira partida da história do Palmeiras, ainda disputou mais um duelo com a camisa do Palestra em 1915 – ao todo, o Verdão entrou em campo seis vezes naquela temporada, todas partidas amistosas.

Em 1916, ano em que o Alviverde disputou pela primeira vez o Campeonato Paulista, Amílcar já retornara ao Corinthians. Por lá, permaneceu por mais sete temporadas e conquistou outros três títulos paulistas (1916, 1922 e 1923 – o primeiro havia sido em 1914), atingindo status de craque irretocável do futebol nacional. Primeiro jogador da história corintiana a vestir a camisa da Seleção Brasileira, na disputa do Sul-Americano  de 1916, Amílcar jogou ainda outras três  edições da competição continental: em 1917, em 1919 e em 1922, sendo campeão nestas duas últimas ocasiões ao lado de craques como Heitor e Arthur Friedenreich (Paulistano), dois dos cinco maiores artilheiros da história do Campeonato Paulista até hoje.

“O futebol chegou ao Brasil em 1894, mas somente em 1919, com a primeira conquista da Seleção Brasileira no Campeonato Sul-Americano, sendo Amílcar o capitão do time, que o esporte nasceu pra valer no país”, diz trecho do livro ‘O Generalíssimo Amílcar Barbuy’, biografia do jogador escrita pelo jornalista Maurício Sabará, em 2015.

Em 1924, já recuado como centromédio (posição que passou a atuar desde 1918), o ídolo alegou motivos pessoais e saiu do Corinthians. Publicações do período apontam uma briga entre o atleta e a instituição, mas não revelam o motivo. Amílcar é considerado pelos próprios corintianos o primeiro ídolo da história alvinegra, ao lado de Neco, o que dá dimensão do anúncio da sua saída.

“O pai do Amílcar (Giovane Barbuy) tinha um bar em frente à sede do Corinthians, mas esse foi tomado por um diretor nepotista. Foi no final de 1923. Ele saiu do clube esperando que fosse chamado de volta, com a justiça reparada, o que não aconteceu. Poucos meses depois, teve vários convites do Palestra, com ele nunca aceitando, com o Américo (Fiaschi), que jogou com ele, insistindo que aceitasse. Até que um dia, aceitou”, conta Sabará, em entrevista ao Site Oficial do Palmeiras. “Gosto sempre de frisar que o Amílcar não trocou de clube, mas, sim, saiu do Corinthians e ficou parado. Depois que houve o convite quando estava sem clube. Há quem pense se tratar de um traidor, o que não foi”, completou.

No ano da chegada de Amílcar, o Palestra Italia não participou da edição de 1924 do Campeonato Paulista devido a uma desistência em protesto contra más arbitragens – os estaduais, até então, eram as únicas competições oficiais no calendário do futebol brasileiro. Portanto, naquela temporada, a equipe alviverde só disputou amistosos e duas partidas do Torneio Início (nesse ano, Amílcar jogou 17 vezes e marcou três gols).

Desde seu primeiro título paulista, em 1920, o Palestra Italia havia batido na trave três vezes com os vice-campeonatos de 1921, 1922 e 1923 (o que já acontecera também em 1917 e 1919). Em 1925, o Verdão encerrou o Paulista na quinta colocação. E em 1926, finalmente, veio a libertação daquilo que estava engasgado: o grito de campeão, com 100% de aproveitamento, sob o comando dos líderes Amílcar, Bianco e Heitor.

Embalado pela conquista do Paulista anterior, o Palestra Italia repetiu o feito na temporada seguinte e sagrou-se, pela primeira vez em sua história, bicampeão estadual. A vitória que garantiu o troféu ocorreu em plena Vila Belmiro e diante de um dos melhores times que o Santos já montou – liderado por Araken Patusca e Feitiço, o ataque santista marcou 100 gols em 16 jogos, atingindo uma impressionante média de 6,25 tentos por partida. Mas o poderio ofensivo alvinegro não foi capaz de superar o conjunto da equipe alviverde. Amílcar não esteve em campo no jogo decisivo, porém foi peça fundamental na maior parte da campanha.

Ainda em 1927, acontece talvez a história mais curiosa de toda a carreira vitoriosa de Amílcar: ele peitou nada menos que o presidente da República! Como representante do Palestra Italia, o jogador foi o capitão da Seleção Paulista na disputa do Campeonato Brasileiro de seleções daquele ano. E após passar pela Seleção do Maranhão (13 a 1) e pela Seleção do Espírito Santo (5 a 0), os paulistas encararam, na decisão, a Seleção do Rio de Janeiro, em 13 de novembro (os cariocas haviam batido a Seleção do Ceará, por 10 a 0, e a Seleção de Minas Gerais, por 5 a 3). Vale lembrar que, no período, ainda não existia uma competição que reunisse clubes para a disputa de um Nacional (esta só surgiu em 1959) e, desta forma, o Brasileiro da época era decidido entre os combinados estaduais – nos oito primeiros anos de disputa consecutiva, entre 1922 e 1929, São Paulo ganhou quatro troféus (todos com Amílcar em campo) e o Rio de Janeiro ganhou os outros quatro.

Na decisão diante do combinado carioca, os paulistas foram bastante prejudicados pela arbitragem. O jogo aconteceu no colossal São Januário – que era o maior estádio da América Latina, inaugurado meses antes, em 21 de abril de 1927 –, e os donos da casa venciam por 1 a 0, tento anotado por Oswaldinho. Com gol de Feitiço, craque do Santos e que mais tarde também jogaria no Palestra, veio o empate e, não fosse um pênalti claro a favor dos paulistas suprimido pelo árbitro Ary Amarante, poderia ter sido a virada do time de Amílcar.

Não bastasse essa infração clara não assinalada para o escrete bandeirante, o juiz ainda anotou um pênalti inexistente para a equipe local no lance seguinte. Nas tribunas de honra, como espectador naquele dia, estava Washington Luís, carioca de Macaé, presidente da República entre 1926 e 1930. Revoltados, os paulistas pressionaram o árbitro que proferiu a seguinte frase: “Se eu não fizer isso, me matam”. Após ouvir aquilo, Amílcar não hesitou e tirou o time de campo. Em meio à agitação e o calor do momento, não demorou muito e um emissário presidencial levou o recado ao capitão do time de que Washington Luís fazia a exigência de que a bola voltasse a rolar imediatamente. A resposta de Amílcar foi de bate-pronto: “Avise ao governante que ele manda no Brasil, mas no campo quem manda sou eu”.

As ações catastróficas do árbitro não terminaram por aí. Em primeira pessoa, na época, Amílcar relatou o desfecho do episódio ao jornalista Flávio Iazzeti, para o jornal ‘O Esporte’, em entrevista resgatada em matéria publicada por Marcello de Vico, bisneto do próprio craque, no UOL, em 2019. “Eu, que não o conhecia [presidente], disse para ser informado ao governante que ele manda no Brasil, mas no campo quem mandava era eu, e o jogo não prosseguiria com a marcação da penalidade. E não cedemos. Por fim, Ary Amarante [árbitro] mandou bater a pena máxima e Nilo [do time carioca], sem guardião no arco, chutou-a para fora. Culminou, então, o erro do árbitro, mandando repetir o tiro, para que Nilo fizesse o tento que assim deu a vitória dos cariocas por 2 a 1, quando em regra o resultado deveria 1 a 1 e os paulistas perderam por não continuar na luta. Foi esse, aliás, o único ato de indisciplina da minha carreira”.

Algumas fontes citam este episódio, de forma equivocada, tendo o jogador Luis Macedo Matoso (Feitiço) como personagem central dessa história. Entretanto, o próprio Feitiço, em 1965, na ocasião do sepultamento de Amílcar, concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo (cuja declaração foi publicada em 26/08/1965) confirmando que tal acontecimento havia sido com Amílcar.

Após 108 jogos com a camisa do Maior Campeão do Brasil (76 vitórias, 13 empates e 19 derrotas), além de 13 gols marcados, Amílcar escolheu o Verdão para pendurar as chuteiras. A sua despedida foi em 08/06/1930, em um empate por 1 a 1 com o Germânia-SP (atual Pinheiros), no Parque Antarctica, em disputa válida pelo Campeonato Paulista daquele ano.

Logo após findar sua excepcional carreira no Palestra Italia, foi convidado pela Lazio-ITA para ser o técnico do time, tornando-se assim o primeiro brasileiro a trabalhar com futebol em terras italianas. À época, o esporte no Brasil atravessava um momento de opiniões divididas sobre a manutenção do amadorismo ou a profissionalização dos atletas, o que ocorreu de fato em 1933. Nomes como os de Ministrinho, Serafini e Pepe deixaram o Palestra pouco depois de Amílcar para atuar no futebol europeu. No rival Corinthians, por exemplo, Del Debbio, Filó, Ratto e De Maria tomaram o mesmo rumo. A Lazio foi o destino de boa parte deles.

Amílcar, inclusive, foi um dos últimos grandes jogadores que não ganharam dinheiro com o futebol. Naquele tempo, jogava-se muito mais por amor do que por alguma recompensa. Pelo contrário: por muito tempo era necessário estar com a mensalidade da associação em dia para participar ativamente do clube. Tanto que o craque trabalhou como impressor gráfico até se aposentar, e ainda teve uma loja de materiais elétricos.

Na Lazio, além de técnico, Amílcar foi a campo uma vez. Em uma partida contra o Bari, em 1931, o time branco-celeste estava bem desfalcado devido a algumas baixas por lesão. Foi aí que Amílcar, inscrito como atleta apesar de ter sido contratado para função de técnico, jogou para minimizar a desvantagem do time e acabou dando um show à parte. O veterano, que aos 38 anos se tornou o atleta mais velho a estrear na Serie A Italiana (recorde que só foi batido pelo goleiro Maurizio Pugliesi, do Empoli, em 2016), foi essencial para a vitória. Os jornais do dia seguinte noticiaram a façanha de Amílcar, que “comandou o jogo como um general comanda as suas tropas”.

Não era a primeira vez que Amílcar recebia tal reverência. “No dia 12 de janeiro de 1930, houve a final do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais de 1929 entre paulistas e cariocas. Amílcar Barbuy era o técnico do Selecionado Paulista. O centro-médio titular era o Goliardo, que não estava jogando bem, então Amílcar assumiu a posição na decisão. Sua atuação foi tão boa na conquista, que, no dia seguinte, a capa do jornal A Gazeta estampava os dizeres: ‘O Generalíssimo da Vitória’, sendo ele o principal comandante do triunfo dos bandeirantes. Foi por esse momento que me baseei para tal citação no nome do livro”, explica Sabará.

O craque também teve duas taças em sua homenagem ganhas pelo Verdão: uma em 27/07/1924, quando o Palestra Italia faturou o Troféu Amílcar Barbuy ao vencer um jogo festivo diante do Botucatuense, no Estádio Municipal de Botucatu, por 3 a 0, gols de Heitor (duas vezes) e Coe – Amílcar como capitão; e outra em 24/06/1930, quando o segundo quadro do Palestra ganhou a Taça Amílcar Barbuy com vitória por 4 a 2 diante do segundo quadro do São Paulo da Floresta, em partida amistosa disputada na Chácara da Floresta – neste, Amílcar não atuou.

“Ele foi para o Palestra como um jogador consagrado. Na época, era comum ter taças em sua homenagem, ao Neco, ao Friedenreich, tanto em São Paulo e quanto no interior. Quando os grandes times da capital iam às cidades interioranas, haviam grandes festas no local”, conta Sabará.

Hoje nome de uma rua no bairro do Parque São Domingos, zona noroeste de São Paulo, Amílcar faleceu em São Paulo, no dia 24/08/1965, aos 72 anos. Em seu funeral, uma única bandeira estava sobre o caixão: a bandeira do Palmeiras.

TÍTULOS DE AMÍLCAR BARBUY NA CARREIRA

Seleção Brasileira

Copa América: 1919 e 1922

Seleção Paulista

Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais: 1922, 1923, 1926 e 1929

Palestra Italia

Campeonato Paulista: 1926, 1926 (edição extra) e 1927
Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo: 1926
Taça Competência: 1926 e 1927
Torneio Início do Campeonato Paulista: 1927 e 1930

Corinthians

Campeonato Paulista: 1914, 1916, 1922 e 1923
Taça Competência: 1922 e 1923
Torneio Início do Campeonato Paulista: 1919, 1920 e 1921

Saiba mais:
>Especial Derby: TOP 10

 

Não foram encontrados vídeos cadastrados para AMÍLCAR BARBUY.

Desenvolvido por Foursys