Em 22 de julho de 1951, o Palmeiras realizou um dos maiores feitos de sua gloriosa trajetória. Foi neste dia, diante da forte e estrelada Juventus-ITA, que o Verdão conquistou o Torneio Internacional de Clubes Campeões, consolidado no futebol como o primeiro campeonato mundial interclubes da história. O grito de campeão veio com uma vitória e um empate diante da Vecchia Signora nas finais, disputadas no Maracanã lotado de brasileiros preenchidos de esperança e alegria no primeiro grande triunfo do Brasil no “período pós-Maracanazo”.
A decepção com o título perdido na Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai dentro de casa ainda doía no coração dos brasileiros, mas a conquista palmeirense teve papel fundamental na recuperação da autoestima do torcedor e na reconstrução do futebol nacional, que anos mais tarde conseguiria finalmente erguer o troféu de uma Copa.
Ouça a íntegra da partida final contra a Juventus-ITA na voz de Oduvaldo Cozzi, da Rádio Continental – Rio de Janeiro
Ouça o gol de Liminha e os momentos finais da decisão na voz de Pedro Luiz, da Rádio Jovem Pan – São Paulo
Interessado em sediar o maior torneio de seleções do mundo desde 1938, o Brasil tinha como concorrente a Alemanha, que, devido aos interesses expansionistas em comum com a Itália e o Japão, formou o Eixo com estes países e protagonizou o marco inicial da II Guerra Mundial, em 1939, quando invadiu a Polônia.
Entre 1939 e 1945, vários países europeus, além de EUA, União Soviética e Japão, guerrearam em duas frentes – Eixo e Aliados. Por conta das consequências trazidas pelas batalhas, duas Copas do Mundo deixaram de ser realizadas (1942 e 1946). Além disto, Japão, Itália e Alemanha (países do Eixo) assinaram a rendição em 1945 e tiveram os maiores danos. Semidestruídos, os alemães retiraram a candidatura a país-sede, e o Brasil ganhou a permissão para sediar a Copa de 50.
Os reflexos da Segunda Guerra Mundial foram vistos também nas Eliminatórias. Seleções como Polônia, Hungria e Tchecoslováquia, por exemplo, não possuíam condições por conta do pós-guerra. Das 32 seleções inscritas na seletiva, metade desistiu durante os jogos. Entre as 16, Turquia, Escócia e Índia descartaram as vagas, e o Mundial se iniciou com apenas 13 equipes.
Na primeira fase, o Brasil caiu no Grupo 1, com Iugoslávia, Suíça e México. Passou como primeiro de forma invicta, com duas vitórias e um empate. Os líderes das quatro chaves fizeram o quadrangular final, que contou com Brasil, Espanha, Suécia e Uruguai. As duas sonoras goleadas sobre Suécia (7×1) e Espanha (6×1) empolgaram os brasileiros, que torciam em casa e confiavam no título inédito da Canarinho.
A Seleção Brasileira tinha a vantagem do empate para se sagrar campeã do mundo pela primeira vez. Ao Uruguai, só a vitória interessava. Naquele dia 16 de julho, a euforia, que já fazia parte do semblante da torcida verde e amarela, tomou conta do Maracanã – especialmente construído para a competição – no primeiro minuto do segundo tempo de jogo, quando Friaça abriu o placar para a Canarinho. No entanto, a felicidade durou apenas 20 minutos: aos 21, Schiaffino empatou para a Celeste, e, aos 34, Ghiggia virou a partida e realizou o improvável. Em meio à “inaceitável” celebração uruguaia do bicampeonato, o silêncio nas alamedas do estádio era perturbador, sinistro e ensurdecedor: o fantasma chamado Maracanazo acabara de entrar para a história do esporte mundial.
Passado o fatídico 16 de julho de 1950, o futebol brasileiro fora colocado em xeque. O baque evidentemente atingiu a torcida brasileira, que esperava ansiosamente pelo título inédito, mas as marcas da derrota foram muito mais dolorosas nos jogadores que integraram aquele elenco, que carregaram este fardo até o fim de suas vidas. Mesmo com o tropeço, nomes como Ademir – artilheiro da competição com nove gols –, Zizinho e Jair Rosa Pinto, um dos maiores jogadores da história palmeirense e primeiro camisa 10 da Seleção na história das Copas – antes deste torneio, as camisas não possuíam numeração –, poderiam facilmente ser candidatos a melhor jogador do campeonato.
A malandragem dos nossos campos passou a ser contestada por todos, e a tragédia inspirou o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues a citar o chamado “complexo de vira-lata”. “Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”.
Inspirado pelo sucesso da Copa do Mundo de 1950, o Torneio Internacional de Clubes Campeões de 1951 reuniu os principais campeões nacionais da Europa e da América do Sul. Organizada com aval e participação da FIFA, a competição teve como mentor Ottorino Barassi, presidente da Federação Italiana de Futebol e secretário-geral e vice-presidente da entidade na época.
Em janeiro de 1951, o Jornal do Brasil informou que o italiano, acompanhado de Stanley Rous (membro da Federação Inglesa de Futebol), veio ao Brasil para discutir com a CBD (Confederação Brasileira de Desportos, atual CBF) o desenho do Campeonato Mundial de Futebol. O encontro também serviu para definir que seriam oito os participantes do torneio devido às dificuldades da época diante das viagens intercontinentais. Tal fato tornava inviável a reunião de um número maior de equipes.
Ainda no mesmo mês, o periódico O Globo Sportivo destacou que o presidente da FIFA, Jules Rimet, concedia o apoio da entidade ao torneio que a CBD planejava realizar no Brasil. A matéria foi assinada pelo jornalista francês Albert Laurence, que à época era integrante dos diários L’Équipe e France Football.
Em parceria com a CBD, o torneio, além do Palmeiras (campeão paulista de 1950) contou com as participações do Estrela Vermelha (campeão da Copa da Iugoslávia, atualmente Sérvia, em 1950), do Áustria Viena (campeão austríaco em 1949-50), da Juventus (campeã italiana de 1949-50), do Nacional (campeão uruguaio de 1950), do Nice (campeão francês de 1950-51), do Sporting (hexacampeão português e vencedor da temporada 1950-51) e do Vasco, campeão carioca de 1950.
Outros times tradicionais da Europa foram cotados para o torneio na época. São os casos de Atlético de Madrid e Barcelona, da Espanha; Tottenham, da Inglaterra; Milan, da Itália; e Hibernian, da Escócia. Diferentes motivos impediram a participação destas equipes. Os ingleses, por exemplo, possuíam tradição de “boicotar” competições fora do Reino Unido. Já os espanhóis, por questões de logística de viagem, férias dos atletas ou inscrições em outras competições, também não vieram à América do Sul.
A escolha das equipes brasileiras se deu pelo seguinte critério: como não existia um campeonato nacional à época, Palmeiras e Vasco foram selecionados por serem, respectivamente, os vencedores dos campeonatos paulista e carioca, os dois maiores torneios do país. Além disso, o Verdão já mostrava sua qualidade com várias conquistas entre os anos 40 e 50. O Alviverde faturou quatro Campeonatos Paulistas (1942, 1944, 1947 e 1950), dois Torneios Início do Campeonato Paulista (1942 e 1946), quatro Taças Cidade de São Paulo (1945, 1946, 1950 e 1951) e um Torneio Rio-São Paulo (1951) no período.
O Mundial ocorreu entre os dias 30 de junho e 22 de julho e paralisou a disputa dos campeonatos regionais daquele ano. Os duelos ocorreram no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, e do Maracanã, no Rio de Janeiro. A divisão no Eixo Rio-São Paulo podia ser presenciada também na separação dos grupos da primeira fase: Estrela Vermelha, Juventus, Nice e Palmeiras jogaram na capital paulista, enquanto Áustria Viena, Nacional, Sporting e Vasco atuaram no Rio. As equipes se enfrentaram em turno único dentro de seus respectivos grupos. Os dois melhores colocados de cada chave avançaram às semifinais, e, em seguida, às finais, disputadas em dois jogos cada.
30/06/1951
Palmeiras 3×0 Olympique Nice-FRA
Estádio do Pacaembu, em São Paulo-SP
Juiz: Franz Grill (Áustria)
Palmeiras: Oberdan; Salvador e Juvenal; Waldemar Fiúme, Luiz Villa e Dema; Lima, Aquiles (Richard), Ponce de León, Jair Rosa Pinto (Rodrigues) e Canhotinho. Técnico: Ventura Cambon.
Nice-FRA: Robert Germani; Serge Pedin e Mohamed Firoud; Jean Belver, Cesar Gonzalez e Rossi Leon; Bonifaci Antoine, Bengtsson Per, Yeso Amalfi, Désir Carre e Hjalmars Ake. Técnico: Numa Andoire
Gols: Aquiles (8’ do 2ºT), Ponce de León (11’ do 2ºT) e Richard (30’ do 2ºT)
Diante do Olympique Nice, campeão francês da temporada 1950/51, os palmeirenses estrearam no torneio com o pé direito. Apesar do nervosismo que tomou conta do semblante da equipe alviverde na etapa inicial de jogo – naquele 30 de junho de 1951, o árbitro austríaco Franz Grill encerrou o primeiro tempo com um persistente 0 a 0 no marcador do Pacaembu –, Aquiles, de pênalti, Ponce de León e Richard sacramentaram a vitória alviverde por 3 a 0 diante dos franceses.
05/07/1951
Palmeiras 2×1 Estrela Vermelha-IUG
Estádio do Pacaembu. São Paulo-SP
Juiz: Gabriel Tordjan (França)
Palmeiras: Oberdan; Salvador e Juvenal; Waldemar Fiúme, Luiz Villa e Dema; Lima, Aquiles, Liminha, Jair Rosa Pinto (Canhotinho) e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Estrela Vermelha-IUG: Krivokuca Srboljuc; Tadic e Stankovi Branko; Palfi Bena, Duratinec e M. Disuic; Ognjanov, Mitic Raiko, Tomasevic Kosta, Djajic Predrag e Vukosavljevic Bane. Técnico: Lubisa Brocci.
Gols: Ongjanov (8’ do 1ºT), Aquiles (30’ do 1ºT) e Liminha (35’ do 2ºT)
O confronto seguinte do Verdão foi diante do Estrela Vermelha, campeão da Copa da Iugoslávia de 1950 e que possuía sete atletas na Seleção de seu país – equipe que, inclusive, deu trabalho para o Brasil na primeira fase da Copa do Mundo de 1950, mas acabou derrotada por 2 a 0. Porém, antes de enfrentá-los, os palmeirenses assistiram às vitórias da Juventus frente aos próprios iugoslavos e diante do Nice, ambas por 3 a 2.
Pressionados após os dois triunfos dos rivais italianos, os palmeirenses levaram seu primeiro susto no torneio. Tihomir Ognjanov, atleta da Seleção Iugoslava e que também marcou durante a Copa de 1950, abriu o placar. Ainda na primeira etapa, o veloz Aquiles tranquilizou novamente a torcida palestrina, igualando o marcador. Faltando 15 minutos para o apito final, o atacante Liminha explodiu os alviverdes presentes no Pacaembu marcando o gol da vitória. O Verdão chegou para enfrentar a Vecchia Signora – apelido da Juventus de Turim – com 100% de aproveitamento.
08/07/1951
Palmeiras 0x4 Juventus-ITA
Estádio do Pacaembu. São Paulo-SP
Juiz: Edward Graigh (Inglaterra)
Palmeiras: Oberdan; Sarno e Juvenal; Waldemar Fiúme, Túlio e Dema; Lima, Aquiles, (Ponce de León), Liminha, Canhotinho (Jair Rosa Pinto) e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Juventus: Viola; Bertucceli e Manente; Mari, Parola e Piccinini; Muccinelli, Karl Hansen, Boniperti, Johan Hansen (Vivole) e Praest. Técnico: Jesse Carver.
Gols: Boniperti (10’ do 1ºT), Boniperti (18’ do 1ºT), Karl Hansen (3’ do 2ºT) e Praest (35’ do 2ºT)
O confronto entre bianconeri e palmeirenses ocorreu na tarde de 8 de julho. Para o Verdão, bastava um empate para assegurar a primeira colocação do grupo. O adversário, porém, contava com Giampiero Boniperti em dia inspirado – o futuro artilheiro desta edição da Copa Rio (nome dado ao torneio em homenagem à Prefeitura do Rio de Janeiro, que patrocinou a competição inclusive com a taça) marcou duas vezes antes de o cronômetro atingir a casa dos 20 minutos. O Alviverde não teve forças para se recuperar e assistiu aos dinamarqueses Karl Hansen e Praest ampliarem, totalizando um inesperado 4 a 0.
Apesar da derrota, o Alviverde se classificou em segundo lugar e enfrentou o adversário mais difícil nas semifinais. Mas a principal sequela daquela partida foi a saída do histórico goleiro Oberdan Cattani do time titular – o experiente arqueiro acabou culpado pelos gols sofridos e Fábio Crippa assumiu a titularidade no restante da campanha.
11/07/1951
Palmeiras 2×1 Vasco
Estádio do Maracanã. Rio de Janeiro-RJ
Juiz: Edward Graigh (Inglaterra)
Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador e Juvenal; Waldemar Fiúme (Túlio), Luiz Villa e Dema; Liminha, Aquiles (Ponce de León), Richard, Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Vasco: Barbosa; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Ipojucan (Vasconcelos), Friaça, Maneca e Djair. Técnico: Oto Glória.
Gols: Richard (24’ do 1ºT), Maneca (1’ do 2ºT) e Liminha (37’ do 2ºT)
Adversário do Verdão na semifinal graças à liderança obtida na chave carioca, o Vasco da Gama atropelou os adversários com três vitórias, sendo duas delas por goleada – 5 a 1 no Sporting, 5 a 1 no Áustria Viena e 2 a 1 no Nacional. Apesar da derrota frente aos vascaínos, os austríacos venceram seus outros dois jogos e também avançaram.
Empolgado pela ótima fase inicial, o Cruz-Maltino recebeu o Palmeiras em um Maracanã lotado. A partida ficou marcada pela contusão de Aquiles, que fraturou a perna em dividida com o goleiro Barbosa, ficando sete meses sem poder atuar. O atacante virou uma espécie de mártir do elenco, que, após o acidente, prometeu conquistar o título de qualquer forma.
No primeiro duelo, o Verdão venceu por 2 a 1, com gols de Richard e Liminha; Maneca descontou. Quatro dias depois, os valentes atletas do Verdão seguram a base da Seleção Brasileira de 1950 e empataram em 0 a 0, também no Maracanã, classificando-se para a grande final.
15/07/1951
Vasco 0x0 Palmeiras
Estádio do Maracanã. Rio de Janeiro-RJ
Juiz: Franz Grill (Áustria)
Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Liminha, Ponce de León, Richard (Lima), Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Vasco: Barbosa; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Vasconcelos, Friaça, Maneca e Djair. Técnico: Oto Glória
Após o balde de água fria na primeira fase, o espírito alviverde para encarar a Juventus na final era outro. O rival, após eliminar o Áustria Viena com um empate e uma vitória (3 a 3 e 3 a 1), encontrara o Verdão pela frente novamente. A equipe italiana contava com uma infinidade de atletas em nível de seleção, com destaque para os dinamarqueses Karl Hansen, John Hansen e Praest, além do lendário atacante Boniperti, que defendeu a Azzurra por 15 anos e foi algoz palmeirense no primeiro encontro.
18/07/1951
Palmeiras 1×0 Juventus
Estádio do Maracanã. Rio de Janeiro-RJ
Juiz: Franz Grill (Áustria)
Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Lima, Ponce de León, Liminha, Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Juventus: Viola; Bertucceli e Manente; Mari, Parola e Piccinini; Muccinelli, Karl Hansen, Boniperti, Vivole e Praest. Técnico: Jesse Carver
Gols: Rodrigues (20’ do 1ºT)
Com o Vasco eliminado, o Palmeiras passou a ser o único representante brasileiro na competição. E o Maracanã, por sua vez, era novamente palco de uma final mundial. Os jogadores brasileiros, agora vestidos de verde, estavam de novo a um passo de levar o país ao lugar mais alto do pódio pela primeira vez na história do futebol.
Contando com total apoio do público carioca e de muitos torcedores de outras cidades que ajudaram a lotar o estádio, o Palmeiras entrou em campo com a bandeira do Brasil costurada no uniforme de cada um. O clima favorável contagiou os atletas palmeirenses, que resistiram bravamente às investidas do forte time italiano e levou a torcida à loucura com o gol de Rodrigues.
22/07/1951
Juventus 2×2 Palmeiras
Estádio do Maracanã. Rio de Janeiro-RJ
Juiz: Gabriel Tordjan (França)
Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Lima, Ponce de León (Canhotinho), Liminha, Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon
Juventus: Viola; Bertucceli e Manente; Mari, Parola e Bizzoto; Muccinelli, Karl Hansen, Boniperti, Johan Hansen e Praest. Técnico: Jesse Carver
Gols: Praest (18’ do 1ºT), Rodrigues (2’ do 2ºT), Karl Hansen (18’ do 2ºT) e Liminha (32’ do 2ºT)
Ouça a íntegra da partida final contra a Juventus-ITA na voz de Oduvaldo Cozzi, da Rádio Continental – Rio de Janeiro
Ouça o gol de Liminha e os momentos finais da decisão na voz de Pedro Luiz, da Rádio Jovem Pan – São Paulo
Quando chegou o dia 22 de julho, um domingo, o clima de euforia era evidente no Rio de Janeiro. Afinal, para ser o primeiro campeão do mundo de clubes, bastava ao Palmeiras um empate diante da Vecchia Signora.
Aos gritos de “Brasil, Brasil” entoados pela massa presente ao estádio, o Alviverde Imponente surgiu em campo carregando a bandeira brasileira como havia feito quase nove anos atrás, na Arrancada Heroica de 1942, que marcou o fim de um Palestra italiano e o início de um Palmeiras nacional.
Os jogadores palmeirenses carregavam também o peso e a responsabilidade de representar 50 milhões de brasileiros, esperançosos e confiantes em apagar a decepção na final da Copa no ano anterior e ver o país, finalmente, aparecer no topo do futebol mundial.
A apreensão tomou conta do estádio quando Praest abriu o placar aos 18 minutos da primeira etapa. A vantagem bianconera persistiu até o final do primeiro tempo, mas, sem se deixar abalar, o Palmeiras buscou o empate logo no início da etapa final: após boa jogada com Canhotinho, Liminha lançou Lima, que arrematou na trave. Na sobra, o atacante Rodrigues igualou o marcador e levou o Maracanã ao delírio.
A euforia verde no reduto carioca durou apenas 16 minutos. Karl Hansen, aos 18, recolocou a Juventus na frente e trouxe à tona novamente o medo de uma tragédia repetida. A esperança palmeirense de título, porém, foi renovada nos pés de Liminha. Aos 32 da etapa final, o meia driblou dois marcadores italianos, chutou sobre o goleiro Viola, pegou o rebote e entrou com bola e tudo no fundo das redes.
O estádio veio abaixo com o tento palmeirense e, mais ainda, com o apito final do árbitro francês Gabriel Tordjan. Era o adeus ao complexo de vira-lata. O brasileiro provou naquela tarde que podia e sabia ganhar, que podia e sabia ser o melhor, que não se intimidava nem mesmo diante de uma potência internacional.
O país parou para festejar o Palmeiras. A repercussão da celebração eclodiu em todos os jornais do Brasil e nos principais periódicos do mundo à época. “Desse modo, na semana passada, os acontecimentos de maior relevo foram, ainda, os jogos pela ‘Taça Rio’, principalmente o último, é claro, em que se evidenciou a possibilidade de o quadro campeão paulista obter o título de campeão mundial”, publicou o jornal ‘O Estado de S. Paulo’ após o feito. Já ‘A Gazeta Esportiva’ trouxe em sua capa a foto do time campeão e a manchete: “Palmeiras, campeão do mundo!”. Itália, França, Iugoslávia e grande parte dos países europeus também trataram a competição unanimemente como “Torneio Mundial de Campeões”.
O título mundial do Palmeiras, além de inédito, completou as Cinco Coroas de conquistas consecutivas no período de um ano – antes de levantar a quinta taça, o Verdão havia faturado de maneira seguida duas Taças Cidade de São Paulo, um Paulista e um Rio-São Paulo.
Na volta de trem para São Paulo, a alegria pairava nos trilhos. A cada estação, a delegação alviverde era festejada pela população local. E na chegada à capital paulista, na região da estação Roosevelt, os palmeirenses foram recebidos por uma multidão de aproximadamente um milhão de pessoas, que acompanharam os campeões até o Palestra Italia.
As declarações a respeito da conquista do mundo pelo Palmeiras foram várias. Camisa 10 da Seleção em 1950, o meia Jair Rosa Pinto, um dos maiores jogadores da história do clube, definiu da seguinte maneira o feito. “Tive a chance em 51 de ser o que não consegui em 50: campeão do mundo”, disse.
Giampiero Boniperti, artilheiro do Mundial de 51 pela Juventus e um dos “carrascos” do Alviverde naquele campeonato, publicou em sua biografia Una Vita A Testa Alta (Uma vida de cabeça erguida, em português), de 2003, um capítulo especialmente elaborado para contar a história do torneio. Ao encerrar a passagem, o italiano engrandece o Verdão: “A vitória do Palmeiras naquele primeiro campeonato mundial de clubes sanava uma terrível ferida: a derrota no Mundial de 50”, escreveu.
O sucesso do torneio internacional no Brasil foi tanto que, em 1955, o mesmo Ottorino Barassi dedicou-se à criação da atual Champions League sobre o nome de Taça dos Clubes Campeões Europeus. Inicialmente, o formato da competição fora desenhado por representantes do jornal esportivo francês L’Equipe, sobre a alçada do editor Gabriel Hanot. O Real Madrid, da Espanha, venceu as cinco primeiras edições da taça, entre 1955 e 1960.
Exaltada pelos torcedores brasileiros e os jornais da época como o primeiro título intercontinental de um clube do país na história, a Copa Rio continuou sendo reverenciada ao longo das décadas seguintes.
No ano seguinte do título, os irmãos palmeirenses Gabriel, Antônio e Luiz Piccolo produziram uma cachaça e a nomearam “Palmeiras 51”, em homenagem à conquista do Mundial e em alusão à cidade natal deles, Santa Cruz das Palmeiras, interior de São Paulo. Em 1959, a empresa foi comprada e o nome alterado para “Pirassununga 51”, mas a referência ao triunfo alviverde permanece até hoje.
Mais de dez anos depois, em 1964, o jornalista e escritor Mario Filho dedicou algumas páginas de seu clássico livro “O negro no futebol brasileiro” para a conquista de 1951. O autor explica, com abordagem sociológica, o que representou o triunfo para a alma do povo brasileiro decepcionado pela derrota na Copa do Mundo de 1950.
Em 1989, para disputa do Campeonato Brasileiro, a camisa do Verdão ganhou um novo adereço: uma estrela vermelha sobre o escudo, representando o feito de 1951. A estrela retornou para o uniforme em definitivo no ano de 2017.
Os remanescentes da conquista se juntaram em 2001 para celebrar os 50 anos da glória alcançada sobre a Juventus-ITA, no Maracanã. No jantar, promovido pela diretoria palmeirense, estavam presentes os goleiros Oberdan e Fábio, o zagueiro Juvenal, os meio-campistas Dema, Gérsio e Jair e os atacantes Aquiles e Richard.
Em 2006, o clube montou um extenso dossiê com reportagens sobre a Copa Rio para assegurar o valor da conquista junto à FIFA. No ano do centenário palmeirense, a ata do Comitê Executivo da FIFA – único órgão da entidade com legitimidade para discutir o tema – foi enviada ao governo brasileiro destacando a “concordância com pedido da CBF para reconhecer o torneio entre clubes europeus e sul-americanos vencido pelo Palmeiras em 1951 como o primeiro Campeonato Mundial de Clubes”.
Confira a ata divulgada pela Fifa em 2014 reconhecendo a conquista.
Em comemoração aos 70 anos desse marco histórico, o Palmeiras promoveu uma série de produtos inéditos: a reimpressão da edição do dia seguinte do jornal A Gazeta Esportiva contando o grande feito, o lançamento de medalhas comemorativas e a disponibilização de uma camisa especial em referência ao uniforma da época.
A edição do jornal A Gazeta Esportiva, que estampou na capa a foto do elenco alviverde e a manchete “Palmeiras Campeão do Mundo!”, foi reimpressa na íntegra, como uma verdadeira relíquia para colecionadores. A Casa da Moeda do Brasil lançou a Medalha Comemorativa em ouro ativo financeiro, prata, bronze e cuproníquel – a cerimônia de descaracterização do par de cunhos original da medalha, foi realizada na sede do clube. E a camisa, em parceria com a PUMA, apresentava o verde tradicional destacado por detalhes dourados nas mangas e gola, o escudo usado pelo Palmeiras na época e uma silhueta da taça no centro, além da bandeira do Brasil nas mangas.