Texto originalmente publicado na edição 51 da Revista Palmeiras. Para conferir o conteúdo completo, seja sócio Avanti e clique aqui para ter acesso à revista digital do Verdão.

Alguns jogadores têm medo de ir para a barreira. Eu não tinha, então era sempre o último homem, posição onde a chance de levar bolada é maior. Ficava encolhido, com o queixo no peito, para tentar me proteger. No meu tempo, havia grandes cobradores de falta e o Rivellino era um deles.

Na final do Paulista de 1974, o Dulcídio Wanderley Boschilia, um dos melhores juízes do Brasil na época, marcou uma infração para o Corinthians perto da nossa área. Enquanto o Rivellino tomava distância, eu olhei para o lado e vi que o Lance estava livre, bem ao lado da barreira. Se o Rivellino tocasse, ele sairia cara a cara com o Leão.

Na hora em que virei para o lado e gritei com o Alfredo (“Olha o Lance!”), o Rivellino chutou. A bola pegou na minha fronte e eu caí esborrachado. Apaguei. Anos depois, revi a jogada na televisão e marquei no relógio o tempo em que fiquei desmaiado: dois minutos.

Saí carregado de campo. Acordei com o nosso treinador, o Oswaldo Brandão, jogando um balde de água na minha cabeça. Ele deu dois tapas na minha cara e berrou comigo: “Vamos, velhinho, vamos!”.

Voltei para o jogo e o que aconteceu em seguida: outra falta para o Corinthians! Quando cheguei para formar a barreira, o Dulcídio me pegou pelo braço e falou todo bravo: “Dudu, você está maluco? Não vai ficar aqui, não! O Alfredo vem no seu lugar na barreira”.

Ganhamos a decisão por 1 a 0, gol do Ronaldo. Foi o título mais marcante da minha carreira porque a imprensa, de modo geral, queria que o Corinthians fosse campeão. Mas o nosso time era melhor, né? Colocamos a bola no chão e vencemos com autoridade.

Alguns companheiros me disseram que o meu esforço em voltar depois do desmaio fez todos correrem ainda mais. Eu acho que não fiz nada anormal. Sempre fui um cara batalhador. Era essa a minha característica.

Estrada para o Verdão

O meu nome é Olegário Tolói de Oliveira, mas desde criança as pessoas me chamam de Dudu. Nasci e cresci em Araraquara, no interior de São Paulo. Olegário era também o apelido do meu pai, João. Ele foi jogador de meio-campo no tempo do futebol amador. Não tive a oportunidade de vê-lo jogar, mas dizem que era pesadão, gostava de chegar junto.

Meu pai faleceu com 45 anos, por causa de um problema na cabeça. Na época, eu tinha 13 anos. Foi um momento difícil, me senti muito sozinho. Graças a Deus, tive o amparo da família e consegui tocar a vida.

Para ajudar a minha mãe e a minha irmã, comecei a trabalhar em um escritório de contabilidade. Era o entregador oficial – andava de bicicleta pra lá e pra cá. No tempo livre, gostava de jogar futebol de salão. Isso ajudou na minha formação como jogador. Na quadra, adquiri um bom domínio de bola e aprendi a driblar para os dois lados.

Quando eu fiz 19 anos, um tio me arranjou emprego de escriturário na Estrada de Ferro Araraquara. Trabalhava de manhã no escritório e treinava à tarde na Ferroviária, que era o time da empresa.

Não tinha o sonho de ser jogador. Sou um cara realista. Queria trabalhar e estudar. Minha ideia era me formar em contabilidade e prestar concurso. Via o futebol como uma diversão, um passatempo.

Em 1959, contudo, acabei promovido à equipe principal da Ferroviária, que estava na Série A do Paulista. O time era bom e praticava um futebol bonito, mas tínhamos um plantel pequeno. Estreei como ponta-esquerda em um jogo no Parque Antarctica contra o Palmeiras. Perdemos por 2 a 1.

Fizemos um grande campeonato. Terminamos em terceiro lugar. Eu e dois companheiros de clube fomos convocados para a seleção paulista – na época, a CBD (atual CBF) promovia um torneio nacional entre seleções estaduais. A base da nossa equipe era formada por Palmeiras e Santos.

Eu tinha 20 anos e já estava jogando com craques como Chinesinho, Coutinho, Djalma Santos, Pelé… Não era pouca coisa. Essa ascensão me fez enxergar que o futebol poderia ser a minha estrada.

Tesoureiro do elenco

Fiquei na Ferroviária até 1964. Foi um período muito importante para mim. Disputei cinco Paulistas e fiz duas excursões internacionais, na Europa e na América Central. Em 1962, fui deslocado da ponta para o meio-campo e passei a atuar como volante. Quando fui embora de Araraquara, já estava maduro, pronto para segurar o rojão.

Houve possibilidades de sair antes. O Flamengo quis me comprar, mas não deu certo. O Santos tentou me contratar três vezes, mas o meu destino era o Parque Antarctica. Assinei contrato com o Palmeiras em 31 de março de 1964, mesmo dia em que teve início o regime militar no Brasil.

Minha adaptação foi tranquila porque encontrei aqui um ótimo ambiente. Os jogadores se respeitavam e tinham gana de vencer. Naquele tempo, nós não recebíamos grandes salários, mas o bicho e o prêmio por título eram bons. Isso nos motivava ainda mais.

Como eu tinha estudado contabilidade, virei o tesoureiro do plantel. Após os jogos, recolhia o dinheirinho da turma e ia ao banco para fazer os depósitos. A poupança rendia bem, batia 5% ao mês. Antes das férias, eu voltava ao banco para pegar os cheques do pessoal. Muitos não acreditavam que tinham juntado tanto dinheiro.

Passei os primeiros três meses na reserva do Zequinha. Ele era um cara bacana e um grande jogador. Tinha sido reserva do Zito na Copa do Mundo de 1962. Trabalhei quieto, esperando a minha chance. Quando o Zequinha se machucou, eu entrei no time e fiquei. Fui titular por 12 anos.

A minha vontade de ganhar era tanta que, às vezes, corria além do que devia. Certa vez, o Djalma Santos me chamou para conversar com os outros jogadores da defesa. Eles me pediram para eu plantar na frente dos zagueiros porque a minha movimentação estava deixando o time exposto. Aceitei o conselho e procurei me aperfeiçoar. Um ano depois de chegar ao Palmeiras, fui convocado para a Seleção Brasileira.

Combinação divina 

A primeira vez que reparei no Ademir da Guia foi em 1963, o meu último ano na Ferroviária. Jogamos contra o Palmeiras e tive a tarefa de marcá-lo. Logo  de cara, o Djalma Santos cobrou um lateral para ele e eu errei o bote. O Ademir avançou nas minhas costas e tocou para o Nilo fazer o gol. Corri, corri e não cheguei nem perto de alcançá-lo.

Muita gente dizia que o cara era lento, mas isso é coisa de quem não sabe enxergar futebol. O Ademir tinha passadas largas e sempre chegava antes do marcador. E tem outra coisa: ele sabia usar o corpo, protegia a bola como ninguém. Era muito difícil desarmá-lo.

Nós fizemos uma bela dupla porque nossas características combinavam. Eu auxiliava os laterais e zagueiros, enquanto ele tinha liberdade para municiar os atacantes. E, quando o Ademir estava muito marcado, trocávamos de papéis: ele recuava e eu ia para a frente.

No início, o Ademir era tímido. Não se abria, ficava mais calado, na dele. A partir de 1971, quando o Brandão chegou, passamos a dividir o quarto na concentração e desenvolvemos uma amizade que perdura até hoje.

As duas Academias 

Eu e o Ademir tivemos a felicidade de jogar em dois dos maiores times da história do Palmeiras. A Primeira Academia gostava de dar espetáculo e, com essa forma de jogar, ganhou o Rio-São Paulo em 1965. Já a Segunda Academia praticava um futebol objetivo, mais focado no resultado.

Entre essas duas equipes, prefiro a segunda porque ela durou mais tempo e conquistou mais títulos. Foram dois Brasileiros (1972 e 1973), dois Paulistas (1972 e 1974) e dois Troféus Ramon de Carranza (1974 e 1975).

Era um time com a cara do Brandão, um técnico experiente, linha-dura e vencedor. Todos sabíamos exatamente o que fazer dentro de campo. Tínhamos uma defesa forte e um ataque que resolvia.

O clima entre nós era o melhor possível. Havia um respeito grande pelo companheiro que estava jogando. Claro que, de vez em quando, aparecia um probleminha e eu, como líder do grupo, precisava contornar.

Eu me lembro de um jogo em Belo Horizonte em que perdemos para o Atlético-MG. Depois da partida, o César Maluco colocou umas bombinhas no corredor do nosso ônibus. Quando o Brandão entrou, as bombinhas começaram a estourar e foi uma barulheira só. O Brandão ficou p… da vida. Eu e o professor Hélio Maffia, que era o nosso preparador físico, tivemos de conversar com ele para o César não ser dispensado.

O ano de 1972 foi o melhor da minha carreira. O Palmeiras ganhou todos os cinco torneios que disputou: Brasileiro, Paulista, Mar del Plata, Laudo Natel e Taça dos Invictos. Jogamos o fino da bola.

O título estadual me marcou muito porque quebrei duas costelas na partida decisiva contra o São Paulo. Tentei desarmar o Terto e acabei caindo de costas sobre os calcanhares dele. Sentia uma dor terrível, mas não queria sair – nem o Brandão queria me tirar. Do lado de fora, ele gritava comigo: “Abre os braços, velhinho, respira!”. Segui o conselho dele, mas, na hora em que abri os braços, puf… desmaiei. Não conseguia respirar direito e me levaram direto para o hospital. Lá, fiquei sabendo que o jogo terminou em 0 a 0, resultado que nos garantiu a taça.

Vida no campo

No começo de 1976, o Palmeiras disputou três amistosos no Parque Antarctica. No terceiro deles, contra a Portuguesa, tentei me antecipar ao Enéas e sofri uma distensão feia na virilha. Quando cheguei em casa, falei para a minha esposa, Maria Helena, que ia parar. Ela caiu no choro.

O Dino Sani, que era o treinador do time, me convidou para ser auxiliar técnico. Via os jogos dos nossos adversários e fazia um relatório com os pontos fortes e fracos. Alguns meses depois, contudo, o Dino teve um desacerto com a direção e largou tudo. A bomba estourou na minha mão.

A equipe vinha sofrendo muitos gols, então minha primeira missão foi arrumar a cozinha. Troquei o Didi, que era um meio-campista técnico, pelo Pires, um volante marcador. Devagarzinho, a defesa foi se firmando, o grupo ganhou confiança e conquistamos o Campeonato Paulista.

Treinei o time até agosto de 1977. Voltei a trabalhar no clube outras duas vezes, uma delas como auxiliar do professor Telê Santana. Costumo dizer que nunca saí do Palmeiras porque esse clube nunca saiu do meu coração.

O Palmeiras representa tudo para mim, pois me transformou em quem sou hoje. Às vezes, algum amigo me diz que, se eu jogasse hoje em dia, ficaria rico. Mas dinheiro não é tudo, né? O futebol me deu amizades, me ensinou a respeitar o próximo, me fez valorizar o sentimento do torcedor.

Comemorei 80 anos no dia 7 de novembro, graças a Deus, com muita saúde. Às quartas, sextas e sábados, trabalho na escolinha de futebol do Grêmio Esportivo Campo Grande, um time de várzea onde sou muito benquisto por todos. Eu vou até lá porque me sinto bem vendo a molecada jogar. O campo foi, e ainda é, a minha vida.