Galeano, em depoimento a Fernão Ketelhuth
Departamento de Comunicação

O segundo jogo da semifinal da Libertadores de 2000 foi a minha consagração como atleta do Palmeiras. Tínhamos perdido a partida de ida contra o Corinthians por 4 a 3. Assim, precisávamos vencer o duelo de volta por pelo menos um gol de diferença, no dia 6 de junho, para levar a decisão aos pênaltis.

O placar estava empatado em 2 a 2 quando o juiz marcou uma falta perto da área adversária. A nossa bola parada era fortíssima. O Felipão trabalhava essa jogada em todos os treinos porque tínhamos ótimos cabeceadores.

Eu costumava ficar no primeiro pau, mas, naquele dia, estava muito marcado. O Adílson não parava de me segurar, então fui para o outro lado, no segundo pau.

Já faz 20 anos, mas consigo me lembrar de cada detalhe: antes de o Alex correr para a bola, dei dois passos para trás, mantendo distância do Adílson. Só que o Alex bateu mal; o cruzamento saiu fraco, à meia altura. Comecei a correr em direção à bola e peguei o Adílson de surpresa. Achando que eu tinha desistido do lance, ele fez um movimento para deixar a bola sair pela linha de fundo.

Mas desistir nunca foi uma opção para mim. Quando o Adílson e o Dida perceberam que eu estava ali, do lado da trave, já era tarde demais.

DNA alviverde

O volante iniciou sua carreira no Verdão em 1989 (Acervo Histórico/Gazeta Press)

O meu nome é Marcos Aurélio Galeano e sou palmeirense desde criança. Herdei essa paixão do meu avô por parte de mãe. Todos os presentes que ele me dava tinham a ver com o Palmeiras: camisa, estojo, bola… Meu ídolo era o Leão. Adorava aquela camisa listrada que ele usava. Quando eu jogava com os meus amigos, pedia para pegar no gol. A cada defesa que fazia, gritava “Leãoooooo!”.

Passei parte da infância em um sítio no interior do Paraná. Quando eu completei 6 anos, minha família se mudou para Osasco (SP). Com 14, comecei a trabalhar de office boy em uma empresa no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Depois, fui para outra empresa, no Alto da Lapa, onde fiquei amigo do Marquinhos Ferrugem. Ele era da Mancha Verde. Atuávamos juntos no time da firma e sempre conversávamos sobre o nosso Verdão. Foi ele quem me convenceu a fazer um teste no futsal do Palmeiras, onde acabei aprovado.

Jogava salão no Palmeiras e futebol de campo pela equipe da Eletropaulo. Certo dia, disputamos a preliminar de um jogo entre Guarani e Portuguesa, pelo Paulista Infantil, no Pelezão da Lapa. Marquei três gols. Um diretor do Guarani gostou de mim e me chamou para participar de uma avaliação no Brinco de Ouro. Larguei o emprego e, com 15 anos, me mudei para Campinas (SP).

Fiquei lá por pouco tempo. Um conhecido de Osasco, o Mirão, já falecido, me arranjou um teste no Juvenil do Palmeiras. Fui novamente aprovado.

A partir dali, tudo aconteceu muito rápido. Do juvenil, já passei para os Juniores e subi para jogar nos Aspirantes. Com apenas 17 anos, o meu sonho de atuar no Profissional do Palmeiras se tornou realidade. Fiz a minha estreia no Brasileiro de 1989, contra o Fluminense, no Maracanã. Vencemos por 1 a 0 e a imprensa me elegeu o melhor em campo. Ganhei até um rádio como prêmio.

Você se lembra de quem era o técnico do Palmeiras em 1989? Sim, era o Leão. Fui lançado pelo meu ídolo de infância. Parece invenção, mas é verdade.

Campeão da América

Não era fácil ser jogador do Palmeiras no início dos anos 1990. O clube não ganhava nada fazia tempo e, às vezes, a frustração da torcida se voltava para os pratas da casa. Quando a Parmalat chegou, fui emprestado para o Rio Branco, de Americana (SP). Depois, segui para o Juventude, de Caxias do Sul (RS), clube que também tinha parceria com a empresa. Em 1994, conquistamos a Série B do Brasileiro. Tive a felicidade de fazer o gol do título, contra o Goiás.

Foi um período importante para mim. Peguei experiência e voltei ao Palmeiras, em 1996, mais preparado. Foi o Luxemburgo quem pediu o meu retorno.

A parte curiosa desta história é que, no começo daquela temporada, o Felipão tentou me levar para o Grêmio. Quem poderia imaginar que, apenas um ano depois, nós trabalharíamos juntos, mas em outra equipe?

Galeano fez parte do supertime campeão paulista em 1996 (Acervo Histórico)

Aos poucos, conquistei o meu espaço no Palmeiras. Não era titular, mas entrava em quase todos os jogos. Sinto orgulho por ter feito parte daquele grupo fantástico que conquistou o título paulista com o ataque de 102 gols.

Com a vinda do Felipão, em 1997, passei a ter ainda mais oportunidades. Lembro-me como se fosse hoje da primeira conversa que ele teve com o elenco. O Felipão falou assim: “Eu vim para ser campeão da Libertadores e, para a gente alcançar esse objetivo, vamos ganhar a Copa do Brasil, que é o caminho mais curto para conseguirmos a vaga”. Foi o que aconteceu, né?

O volante contava com a confiança do técnico Felipão (Acervo Histórico)

Devagarzinho, o professor escolheu os jogadores em quem confiava e montou um time cascudo, que crescia na hora certa. A conquista da Libertadores, com todas as dificuldades que superamos, fez todo o nosso esforço valer a pena.

Nervos à flor da pele

Se em 1999 eu ganhei o título mais importante da minha carreira, foi em 2000 que vivi o meu melhor momento como atleta profissional.

A rivalidade entre Palmeiras e Corinthians sempre foi grande, mas, naqueles anos, estava ainda mais aflorada. Os dois clubes atravessavam ótima fase. Nós tínhamos vencido a Libertadores, além do Torneio Rio-São Paulo de 2000. Eles haviam ganho aquele Mundial que a gente, por justiça, deveria ter jogado.

Galeano não dava colher de chá para o atacante Edílson (Acervo Histórico)

Cada Derby era uma guerra. Pelo menos era assim que eu encarava. O único jogador deles com quem tínhamos algum contato na época era o Luizão, que havia atuado comigo no Palmeiras. Não tinha amizade com mais ninguém.

Dentro de campo, o bicho pegava. A gente se provocava, entrava duro. Foram muitos jogos importantes em sequência, então os nervos estavam à flor da pele.

No papel, a equipe deles era superior à nossa. Mas tínhamos um time de guerreiros, né? O Felipão soube explorar bem esse lado motivacional. Fez com que todos acreditássemos na vitória. E todos acreditávamos muito nele.

O gol consagrador

Começamos bem o jogo. Fizemos 1 a 0, gol do Euller. Mas, em dois momentos de desatenção, tomamos a virada. Continuamos lutando sem baixar a guarda e empatamos, gol do Alex. Faltava mais um para levarmos a decisão aos pênaltis.

Ainda me lembro da cara de desespero do Dida quando ele me viu ao lado da trave, entre o Adílson e a linha de fundo. O pessoal brinca que até me ajoelhei para fazer o gol. A verdade é que estava no lugar certo na hora certa.

Aquele gol foi um presente de Deus. Precisava de um gol como aquele para ser reconhecido como ídolo do clube. Aquele gol me consagrou. Fez com que o torcedor do Palmeiras tivesse, até hoje, um carinho especial por mim.

O volante na final da Libertadores de 2000, contra o Boca (Acervo Histórico)

Eliminamos o Corinthians nos pênaltis, com o Marcão defendendo a cobrança do Marcelinho, e nos classificamos para a final da Libertadores pelo segundo ano seguido. Tínhamos total confiança no bicampeonato, mas fomos muito prejudicados pela arbitragem. No segundo jogo contra o Boca Juniors-ARG, o Asprilla sofreu um pênalti escandaloso. Só o juiz não viu.

O vice deixou um gostinho amargo, mas, quando olho para trás, prefiro pensar nos bons momentos e, principalmente, no orgulho que senti nas 477 vezes em que entrei em campo com a camisa alviverde.

O Palmeiras foi tudo na minha vida. Atuei por outras equipes, mas serei sempre reconhecido como o “Galeano do Palmeiras”. Poucos jogadores tiveram essa mesma sorte. É algo que não tem preço. Vivi este clube intensamente e tenho certeza de que ainda vou vivê-lo pelo resto da minha vida.

Ficha técnica

Copa Libertadores
Palmeiras 3 (5) x (4) 2 Corinthians
Fase: Semifinal (jogo da volta)
Data: 06/06/2000
Estádio: Morumbi, em São Paulo
Árbitro: Edílson Pereira de Carvalho (SP)

Palmeiras: Marcos; Rogério, Argel, Roque Júnior e Júnior; César Sampaio (Tiago), Galeano e Alex; Pena (Luiz Cláudio), Marcelo Ramos e Euller (Asprilla). Técnico: Luiz Felipe Scolari

Corinthians: Dida; Daniel (Índio), Fábio Luciano, Adílson e Kléber; Vampeta, Edu, Ricardinho e Marcelinho Carioca; Edílson e Luizão (Dinei). Técnico: Oswaldo de Oliveira

Gols: Euller aos 34 e Luizão aos 39 do 1° tempo; Luizão aos 7, Alex aos 14 e Galeano aos 26 do 2° tempo
Gols nos pênaltis: Marcelo Ramos, Roque Júnior, Alex, Asprilla e Júnior pelo Palmeiras; Ricardinho, Fábio Luciano, Edu e Índio pelo Corinthians – Marcos defendeu a cobrança de Marcelinho Carioca

Confira a íntegra desta reportagem na edição 54 da Revista Palmeiras, programada para o início de julho, e baixe agora mesmo o App Revista Palmeiras na Play Store ou na Apple Store.