Morre líder, nasce campeão

Oberdan Cattani (esq.) e a súmula do primeiro jogo como Palmeiras (dir.)

No início da partida, o São Paulo criava boas oportunidades, mas, para a alegria dos torcedores esmeraldinos, o goleiro Oberdan Cattani, que até os dias atuais é considerado um dos maiores ídolos da história do Palmeiras, estava em um dia de muita inspiração e teve a felicidade de fazer boas intervenções desde o início do jogo.

Tanta inspiração talvez fosse fruto da nova adaptação do uniforme de goleiro – a partir daquele dia, a agremiação iria adotar o azul definitivamente (até então, os arqueiros do Palestra usavam branco na grande maioria das vezes). Há quem diga que a escolha da cor tenha sido uma espécie de “protesto subliminar”, fazendo alusão à cor da camisa da Seleção Italiana, de forma proposital, já que havia o Verdão sido proibido de associar sua imagem à do país europeu que inspirou a sua fundação. Para alegria do Palmeiras, as autoridades não entenderam o trocadilho.

O clima de decisão havia tomado conta do Pacaembu e, naturalmente, a tensão pairava nos dois lados. Se o Palmeiras saísse vitorioso, sagrar-se-ia campeão paulista invicto e impediria que o rival, fundado em 1935, continuasse a luta pela primeira taça de sua história. Os jogadores demonstravam saber exatamente a relevância da partida.

Tanto para o elenco quanto para os dirigentes e para a torcida, aquela conquista simbolizava uma vitória diante da batalha que o Palestra se viu obrigado a enfrentar durante o ano (que por pouco culminou no fechamento do clube). É claro que conquistar o título com aquela campanha impecável seria só mais um detalhe a engrandecer o orgulho dos palmeirenses.

Por outro lado, o São Paulo, que naquele ano já havia perdido para o Palestra-Palmeiras outras batalhas fora de campo, mostrava muita raça durante a partida, pois uma derrota àquela altura somente iria aumentar a frustração e o fracasso do time, e ainda por cima, teriam que ver o Palmeiras ser campeão dentro do Pacaembu lotado.

A felicidade do São Paulo, que criava algumas chances na partida, durou pouco. Logo aos 20 minutos do primeiro tempo, o atacante Cláudio Pinho abriu o placar no Pacaembu – o ponta teve a honra de marcar o primeiro gol do time com o nome de Sociedade Esportiva Palmeiras.

Apenas 3 minutos depois, o São Paulo empatou o jogo com Waldemar de Brito, para desespero dos palmeirenses. Partida nervosa, muito disputada, mas aos 43 minutos da primeira etapa, o Palmeiras voltou a ficar à frente do placar, com gol de Del Nero. O primeiro tempo terminou 2 a 1 para a equipe verde e branca. Ao início do segundo tempo, o São Paulo, que jogava pela vitória (para eles, o empate não adiantaria nada), tentava de todos os jeitos atacar o Palmeiras, tanto é que boa parte do jogo aconteceu no campo de defesa esmeraldino.

O “onze” do Palmeiras parecia estar fisicamente mais preparados do que o adversário – este talvez fora o motivo que levou o Palmeiras a chegar, aos 14 minutos da segunda etapa, ao importantíssimo terceiro gol, marcado pelo argentino Echevarrieta. O terceiro gol foi um alívio e tanto para o Palmeiras, porém ainda era muito cedo para que o time pudesse esboçar qualquer tipo de comemoração.

Mesmo o Palmeiras vencendo por 3 a 1, o jogo continuou muitíssimo equilibrado e imprevisível. Até que, aos 19 minutos do segundo tempo, o médio palmeirense Og Moreira invadiu a área adversária e sofreu uma entrada violenta do zagueiro são-paulino Virgilio, que atingiu um carrinho em cheio no rival. O árbitro, que acompanhava o lance de perto, viu tudo, marcou o pênalti e expulsou Virgilio. A revolta do time tricolor parecia interminável. Os são-paulinos não deixavam o Palmeiras cobrar o pênalti. E, seguindo orientações do capitão Luizinho, abandonaram a partida.

A equipe palmeirense comemorou o título ao apito do árbitro Jaime Janeiro, que ainda aguardou o término do tempo regulamentar para decretar o fim do jogo. Àquela altura, já enxergavam a equipe alviverde como um clube brasileiro. Foi assim que o maior objetivo do Palmeiras foi alcançado, meta que só aumentou a força da instituição e embalou o Verdão a se destacar mais ainda como um gigante do mundo futebolístico.

Neste capítulo vitorioso da história do Palmeiras, muitos personagens se doaram inteiramente para que fosse possível esta evolução institucional, mesmo que estivessem sujeitos a serem reprimidos, tratados com preconceito ou até mesmo chamados de fascistas e inimigos da pátria. Algumas pessoas chegaram a ser de certa maneira punidas pelas atitudes de bravura que enalteceram o Palmeiras. O próprio Coronel Adalberto Mendes relembra que, à época, algumas medidas radicais foram adotadas contra os defensores do Palestra: “Após a nossa ‘Arrancada Heroica’, fui vítima de muitas mentiras. Diziam que eu seria um ‘Quinta Coluna’, como também eram chamados os simpatizantes do nazifascismo. Por causa destes problemas, fui transferido logo depois pelo Comando Militar para o Rio de Janeiro (RJ) e, em seguida, para Recife (PE). Somente quando dei baixa, já depois de 1949, pude retornar a São Paulo. Aqui chegando, retomei minhas atividades no Palmeiras, do qual fui diretor de futebol em 1954 e também em 1963. Apesar destas represálias, jamais me arrependi do que fiz. Fico é gratificado porque contribuí para o bem de um clube oriundo de uma gente que fez muito por esta cidade. Se hoje o Estado de São Paulo é grande, deve isso à colônia italiana”.

Por estes atos de coragem e bravura, ficarão marcados para sempre na memória da Sociedade Esportiva Palmeiras nomes ilustres como dos dirigentes Adalberto Mendes, Ítalo Adami, Mário Minervino, Higinio Pellegrini, dos jogadores Oberdan Cattani, Junqueira, Del Nero, Waldemar Fiume, Lima, o treinador Del Debbio e tantos outros que fizeram parte desta história, pois estes homens foram os responsáveis pelo início de uma nova era, que levou o Verdão a um dia consagrar-se Campeão do Século XX.

Charge do elenco campeão