Palestra 100%: 80 anos do título paulista de 1932

Agência Palmeiras
Bruno Alexandre Elias

O Palmeiras comemora nesta terça-feira (11) o 80º aniversário da conquista do Paulistão de 1932, o 4º título estadual de sua história e o único obtido com 100% de aproveitamento. A façanha foi fundamental para que o Verdão pudesse se fortalecer institucionalmente e alavancar no cenário futebolístico, além de ter aberto as portas para que o time esmeraldino chegasse ao seu único tricampeonato paulista (32/33/34).

Para que se possa compreender nitidamente a importância deste episódio na vida do Palmeiras e até mesmo do futebol brasileiro, é necessário voltar um pouco no tempo.

A popularização do futebol

Até o início do século XX, o futebol era um esporte designado quase que exclusivamente à burguesia e era praticado apenas em caráter amador, sem qualquer remuneração, com jogadores voluntários que possuíam identificação com os clubes que defendiam. Este contraste começou a tomar uma forma diferenciada com a chegada de clubes populares, ou seja, aqueles que fugiam completamente do perfil elitista. Clubes como o Corinthians (fundado em 1910) e o próprio Palestra Italia (1914), entre outros, representavam a massa populacional, pois foram fundados por operários e imigrantes.

Vale lembrar que naquele início de século, praticamente não existia uma classe intermediária entre a rico e a pobre. Existiam apenas as classes nobre e operária – os imigrantes (em especial os italianos), obviamente, faziam parte desta segunda classe, pois vieram para o Brasil substituir a mão de obra da escravidão, recém-abolida. Para que se possa fazer uma breve reflexão, São Paulo era uma cidade predominantemente imigrante, com forte presença italiana. Estima-se que 35,4% da população paulistana era composta por estrangeiros, com os italianos representando 15,8% da população total e 44,6% do total dos imigrantes.

Naturalmente, estas agremiações populares ganharam rápido prestígio e, com isso, somaram forças para ingressar nos campeonatos oficiais de futebol. Na essência, houve resistência por parte das ligas responsáveis pelas competições, que tentavam de qualquer maneira inibir a “infiltração” dos não-burgueses no esporte. No entanto, estes times passaram a deslocar muitas pessoas para os jogos de futebol e, como consequência, frequentemente batiam recordes de público e renda, o que era interessante para as entidades organizadoras. Sendo assim, a permanência destes clubes em competições de futebol tornou-se indispensável. Não é exagero afirmar que o Palestra Italia foi um exemplo clássico deste estorvo.

Início da Era Profissional

Poucos anos após a inserção destas agremiações nas principais ligas – que aconteceu logo nas primeiras décadas do século XX –, o cenário futebolístico ganhava moldes cada vez mais profissionais.

Os primeiros indícios de jogadores assalariados vêm do futebol operário. Inicialmente usado como lazer e fonte disciplinar para seus funcionários, os donos de fábricas logo perceberam que o sucesso das equipes que levavam o nome da fábrica era um ótimo meio de divulgação dos seus produtos. Os trabalhadores que se destacavam com a bola nos pés começaram então a gozar de vários benefícios, como prêmios por vitória (o 'bicho'), dispensa para treinos e serviços mais leves no emprego. Ocorria assim, pela primeira vez, a valorização do 'capital esportivo'. Sobre isso, no livro “O Negro no Futebol Brasileiro” (1947), o jornalista e escritor Mário Filho faz uma síntese da maneira mais lúcida possível:

“Operário que jogasse bem futebol, que garantisse um lugar no primeiro time, ia logo para a sala do pano. Trabalho mais leve (…) Os garotos que jogavam no largo da igreja sabiam que, quando crescessem, se fossem bons jogadores de futebol, teriam lugares garantidos na fábrica. (…) Depois de trabalhar muito, e principalmente, de jogar muito, o operário-jogador ganhava o prêmio da sala do pano. E podia ser ainda melhor se continuasse a merecer a confiança da fábrica, do Bangu. Havia o escritório, o trabalho mais suave do que na sala do pano. E o ordenado maior (…)”.

Na Argentina, no início dos anos 30, o profissionalismo já estava sendo implantando, enquanto na Europa os clubes já desfrutavam deste estilo de conduta havia muito mais tempo. Mas, no Brasil, o futebol vivia a fase do falso amadorismo. A profissionalização já existia, porém os atletas disfarçavam suas condições de profissionais e recebiam quantias por fora.

Aos olhos da elite, o fato de que o futebol estava se tornando uma profissão era inadmissível. Por este motivo, muitos clubes encerraram suas atividades futebolísticas ou simplesmente deixaram de existir. O Club Atlhetico Paulistano, por exemplo, o maior campeão da era amadora, previu que o óbvio estava prestes a acontecer, ou seja, já sabendo que o futebol se tornaria um esporte profissionalizado, encerrou suas atividades no departamento de futebol no ano de 1929 – atualmente, o carro-chefe do clube é o basquete. Mais tarde, vários clubes elitistas, como o Sport Club Germânia (atual Pinheiros) e A.A. das Palmeiras, seguiram os passos do Paulistano e abandonaram de vez o futebol.

Campeonato Paulista de 1932

Oficialmente, a última edição do Campeonato Paulista no âmbito amador aconteceu em 1932. Doze times disputaram a competição naquele ano e deveriam se enfrentar em turno e returno, basicamente nos moldes do Campeonato Brasileiro da atualidade.

Alguns times se destacaram, como, por exemplo, o Juventus (da Mooca), que contava com um elenco jovem e que surpreendeu a todos, brigando palmo a palmo com os times da parte de cima da tabela. O São Paulo da Floresta, por sua vez, ocupava a vice-liderança e esperava um deslize do líder Palestra Italia para assumir a ponta. Tal deslize, porém, não aconteceu. Muito pelo contrário. O Palestra estava realmente imbatível naquele ano, mesmo com uma equipe reformulada.

Com o êxodo provocado pelo advento do profissionalismo que estava prestes a começar, e que já existia no “mundo moderno” (Europa), o Palestra Italia perdeu alguns de seus principais jogadores da temporada anterior. Ministrinho, Pepe e Serafini foram os primeiros a atuarem no futebol europeu. Depois, outros jogadores seguiram seus passos. Além disso, Bianco e Heitor, os dois azes medalhões do time palestrino, haviam se aposentado há pouco tempo (em 1929 e 1931, respectivamente).

Com o elenco recentemente renovado, o entrosamento da “nova safra” do Palestra foi surpreendentemente veloz. Até a 7º rodada, o time havia vencido todas as partidas com um saldo positivo de 19 gols (26 gols marcados e 7 sofridos). O Palestra, então, aparecia como forte candidato ao título, senão favorito, mas tinha consciência de que não poderia deixar o rendimento cair. O campeonato era promissor.

No entanto, quando o primeiro turno estava quase chegando ao fim, a competição foi interrompida por conta da Revolução Constitucionalista de 1932, que eclodiu no dia 9 de julho e tinha por objetivo a derrubada do Governo Provisório de Getúlio Vargas e a promulgação de uma nova constituição para o Brasil. A situação era grave. A Revolução Constitucionalista foi o maior movimento armado ocorrido no Estado de São Paulo e, atualmente, é a data cívica mais importante para os paulistas. Dados oficiais indicam que morreram 934 pessoas durante o período da revolução, embora se estime que cerca de 2.000 pessoas perderam suas vidas na capital e em outras cidades paulistas. O impacto desta revolução foi tão grande para o futebol que, durante o conflito, os clubes procuraram colaborar com o governo cedendo as dependências de suas sedes para que ali se instalassem enfermarias, doaram alimentos enlatados, sabonetes etc.

Ao término dos conflitos, a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA) – atual Federação Paulista de Futebol (FPF) – retomou as atividades do campeonato no dia 6 de novembro. Entretanto, em meio a um ambiente extremamente conturbado e caótico politicamente, a associação decidiu que seriam realizadas apenas as partidas pendentes do primeiro turno, e o campeonato se encerraria ali.

Sendo assim, o Palestra Italia ainda precisava disputar mais quatro jogos para terminar o primeiro turno e garantir o título.  O Verdão só não esperava que fosse conseguir vencer com tanta facilidade as partidas que antes pareciam ser as mais difíceis da tabela. Derrotou o Corinthians por 3 a 0, em seguida a Portuguesa de Desportos pelo mesmo placar, aplicou uma goleada diante do Germânia por incríveis 9 a 1 e, na derradeira partida, liquidou o Santos por nada menos que 8 a 0, a maior goleada da história do clássico em todos os tempos.

O Palestra Italia, com isso, sagrou-se campeão com 100% de aproveitamento. No total, foram 11 jogos, 11 vitórias, 49 gols marcados (média de 4,45 por partida) e apenas 8 gols sofridos (0,72), com um saldo de fantásticos 41 gols. Além de obter o melhor ataque da competição e a defesa menos vazada, o time esmeraldino ficou também com a artilharia do campeonato graças aos 18 gols do atacante Romeu Pellicciari – aquele mesmo que, no ano seguinte, marcaria quatro vezes na goleada por 8 a 0 sobre o Corinthians.

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Romeu Pellicciari, artilheiro do Paulista de 1932


É importante lembrar que o título paulista conquistado em 1932 não simbolizou somente o fim da era amadora, mas também foi a chave para que o Palestra Italia pudesse dar início à era profissional em grande estilo. De um ponto de vista analítico, pode-se dizer que o elenco do tricampeonato de 32, 33 e 34 tinha suas características próprias, assim como os times que formaram as famosas Academias de Futebol dos anos 60 e 70 ou até mesmo os times formados nos anos 90. De certa maneira, a equipe do tri pode, sim, ser considerada uma verdadeira Academia de Futebol pelo estilo de jogar. Cada partida do Palestra Italia era uma aula de como jogar futebol com classe, fibra e bravura.

A campanha:

01/05/1932 – Palestra Italia 4 x 0 Syrio-SP
08/05/1932 – Palestra Italia 3 x 2 São Paulo da Floresta-SP
22/05/1932 – Palestra Italia 2 x 1 São Bento da Floresta-SP
29/05/1932 – Palestra Italia 3 x 1 Internacional-SP
12/06/1932 – Palestra Italia 3 x 1 Juventus-SP
19/06/1932- Palestra Italia 7 x 0 Clube Atlético Santista-SP
03/07/1932 – Palestra Italia 4 x 2 Ypiranga-SP
06/11/1932 – Palestra Italia 3 x 0 Corinthians-SP
20/11/1932 – Palestra Italia 3 x 0 Portuguesa-SP
04/12/1932 – Palestra Italia 9 x 1 Germânia-SP
11/12/1932 – Palestra Italia 8 x 0 Santos-SP

Ficha técnica do último jogo:

Palestra Italia 8 x 0 Santos
Data: 11.12.1932
Local: Estádio do São Bento – Ponte Grande/SP
Árbitro: Álvaro Cardoso de Moura
Gols: Romeu Pellicciari (2), Imparato III (2), Lara, Sandro, Avelino e Goliardo

Palestra Italia: Nascimento; Loschiavo e Junqueira; Tunga, Goliardo e Adolfo; Avelino, Sandro, Romeu Pellicciari, Lara e Imparato III.
Treinador: Humberto Cabelli

Santos: Athie; Bompeixe e Amorim; Agostinho, Floriano e Alfredo; Victor, Camarão, Catitu, Mario Seixas e Logu.
Treinador: Francisco de Almeida