De “bichado” a herói eterno: a trajetória de Evair até a redenção

Evair ocupa uma posição privilegiada no seleto grupo de ídolos do Palmeiras. Será para sempre reverenciado e adorado no Palestra Itália. Afinal de contas, entre tantas façanhas, o ex-camisa 9 foi o autor do gol que pôs fim à fila de 16 anos sem título. No entanto, o caminho até o dia 12 de junho de 1993 não foi tão fácil. E o Matador percebeu isso logo em sua chegada ao clube, em 1991.

“O Guarani, quando me vendeu para o futebol italiano, disse que eu tinha uma hérnia de disco para ter uma desculpa para dar à torcida. Assim, quando voltei ao Brasil para atuar no Verdão, essa história voltou. Na época, falavam que eu era um jogador bichado, que eu não ia passar no exame médico. Quando cheguei ao Brasil só respondi sobre isso. Mas, apesar de tudo, eu estava tranquilo, pois vinha jogando normalmente na Atalanta e não vinha sentindo nada”, explicou o ex-jogador ao Site Oficial do Palmeiras, em entrevista concedida em comemoração aos 20 anos da conquista. “O Palmeiras acabou apostando em mim e não teve problema algum”, completou o ídolo, que só teve de operar em 2001, já no final da carreira, quando as dores agravaram.

Contratado em troca do também atacante Careca Bianchesi, antes ainda do acordo com a Parmalat, Evair viveu outras situações difíceis no clube. Em 1992, chegou a ser afastado pelo técnico Nelsinho Baptista e, na mesma temporada, integrou o time que perdeu a final do Paulista para o São Paulo. “Era um ambiente difícil, complicado. Era quase impossível de se viver. O nosso dia a dia era treinar e correr para casa. Às vezes, quando íamos jantar em algum restaurante, sempre encontrávamos pessoas cobrando”, disse ele, que ressalvou:

“Contudo, o clima mudou a partir de 92. Não ganhamos o Paulista, mas, por outro lado, perdemos o título para um São Paulo campeão do mundo. E foi aí que criamos uma base forte, sólida. É claro que o torcedor quer ser campeão, mas, levando em conta o que tínhamos passado até então, aquele vice-campeonato foi bom e nos deu a confiança de que acabaríamos com o jejum cedo”, relembrou.

E a equipe de 1992, reforçada por nomes como Edmundo, Roberto Carlos, Antônio Carlos, entre outros, e comandada por Vanderlei Luxemburgo, encaixou mesmo e, como Evair havia previsto, chegou à decisão do Campeonato Paulista de 1993. No primeiro jogo da final, no entanto, sinal de alerta ligado: vitória do arquirrival Corinthians por 1 a 0.

“Olha (pausa), aconteceram tantas coisas naquela semana antes da finalíssima. Eu fiquei no banco no primeiro jogo, estava machucado e não pude jogar. Eu sempre digo que foi a semana mais longa da minha vida. Chegava domingo, mas não chegava aquele sábado. Para piorar, ficamos concentrados em Atibaia e os dias pareciam intermináveis. Na época, não tinha celular, internet… os únicos passatempos eram as palestras, as conversas, as brincadeiras. Era muito difícil. Mas o sábado, enfim, chegou. Viemos para São Paulo e treinamos na Academia. O treino foi aberto e tivemos um contato legal com o torcedor. Respiramos ainda mais o ar da decisão”.

Uma semana depois, exatamente no dia 12 de junho, o Palmeiras voou baixo no estádio do Morumbi e ganhou no tempo normal por 3 a 0. Na prorrogação, gol de pênalti de Evair, que já havia marcado um tento nos 90 minutos: 4 a 0. Delírio alviverde. Poderia ser melhor, Matador?

“Não, não poderia ser melhor. Se eu quisesse escrever o que foi aquele dia, não conseguiria. Por tudo que passei, todas as dificuldades, a minha recepção pela imprensa… não poderia ser melhor. Foi o dia que Deus escolheu para mim. Marcou minha vida. Ganhei Libertadores e vários outros títulos, mas esse foi o mais importante para mim”, respondeu.

Há uma história curiosa que poucos conhecem sobre a decisiva penalidade. César Sampaio sempre ia em direção a Evair quando havia uma cobrança na marca da cal em favor do Verdão e dizia a ele a frase “Deus esteja contigo”. Costumava dar sorte. Naquela vez, o volante não apareceu…

“Eu fiquei procurando ele na hora e nada. Eu até falei para mim mesmo: ‘logo hoje ele não vai vir?’. Mas aquele momento estava marcado para mim. Foi o gol mais importante da minha carreira. Hoje, pensando na responsabilidade, me dá um frio na barriga. Eram 16 anos correndo nos meus pés. Porém, por tudo o que eu tinha passado, era fichinha bater aquele pênalti. Era um pênalti qualquer. Foi o momento em que eu pude entrar para a história, que mudou a minha vida pessoal e profissional”, expôs.

Por fim, Evair, mesmo admitindo não conseguir escrever a grandeza do redentor título de 1993, lançou, com a ajuda de profissionais da área, um livro sobre o torneio (Sociedade Esportiva Palmeiras 1993 – Fim do jejum, início da lenda).

“O Mauro Beting e o Fernando Galuppo escreveram por mim (risos). São eles que colocaram no papel. Eu só tentei traduzir um pouco a emoção. Vivi os momentos, tenho as histórias, mas quem escreve mesmo, e muito bem, são eles”, completou o ídolo.