Capitão do título, Sampaio supera lesão e simboliza renascimento alviverde
No instante em que o árbitro José Aparecido de Oliveira apitou o fim do jogo entre Palmeiras e Corinthians, no histórico 12 de junho de 1993, a bola cruzava o meio-campo pelo alto na direção de um pequeno gigante jogador palmeirense. César Sampaio, capitão, camisa 5 do Verdão, recebeu a bola do jogo, a bola do título, como um presente. Pegou e guardou dentro da camisa, para ninguém tomar. Era do Palmeiras a festa, era dele a bola final do duelo. Ou pelo menos era para ser.
“Eu lembro perfeitamente que peguei a bola no fim do jogo, coloquei dentro da camisa, mas acabaram me roubando ela. Muita gente entrou em campo, todos os outros jogadores não pararam de pular e desisti de correr atrás da bola. Pensei comigo: ‘Deixa eu pelo menos garantir a minha camisa, antes que alguém tire de mim também’. Queria ter ficado com a bola do jogo, mas não deu. Ficou na memória”, lembrou Sampaio ao Site Oficial do Palmeiras, em entrevista concedida em comemoração aos 20 anos da conquista.
Mais do que o fim da fila por títulos, o Palmeiras lutava para justificar o investimento realizado pela Parmalat, que contratou jogadores como Edmundo, Edilson, Antônio Carlos e Roberto Carlos para reforçar a equipe que, um ano antes, havia sido vice-campeã paulista. Sampaio, que já estava no elenco antes da multinacional chegar, viu de perto a transição que o clube passou e a pressão que se instaurou no Palestra Itália pela conquista de novas taças.
“Quando cheguei, o retrospecto era pouco favorável. O clube chegava às decisões, mas perdia quando não podia perder. E muitas vezes para equipes teoricamente bem mais fracas. Após a chegada da Parmalat, vi um novo momento surgir dentro do Palmeiras. O clube havia voltado a pensar grande e a assumir a responsabilidade de gigante do futebol brasileiro e mundial que é”, comentou Sampaio.
Por tudo que representou o Campeonato Paulista de 1993, o ex-jogador garante se recordar perfeitamente de todos os detalhes da semana que antecedeu a grande final da competição, após o Palmeiras ser derrotado pelo Corinthians no primeiro jogo da decisão por 1 a 0.
“Foi uma semana muito tensa, com uma apreensão muito grande. O jejum de títulos incomodava a torcida e, claro, também nos afetava. De toda minha carreira, dos 19 anos que tive como jogador profissional, a semana entre os dois jogos da final do Paulista é o que tenho de mais claro na minha mente. Como me lesionei depois do primeiro jogo, praticamente não tinha condições de jogar a segunda partida, o tempo de recuperação era curto”, recordou o volante, que foi levado para a concentração em Atibaia pelo técnico Vanderlei Luxemburgo mesmo sem ter, até então, condições de jogo para a partida de volta da decisão do Campeonato Paulista.
O tratamento do tornozelo de César Sampaio chegou a impedir o volante de treinar durante quatro dias entre uma partida e outra. “Estava muito inchado. Eu tratava em três períodos e nada de melhorar”, lembrou. E como o elenco estava concentrado no interior de São Paulo, os médicos do Palmeiras tinham alguma dificuldade para encontrar remédios que pudessem auxiliar no tratamento do camisa 5 e liberá-lo para a partida.
“Os médicos chegaram para o Vanderlei (Luxemburgo) e falaram que não tinham os medicamentos certos para o meu tratamento ser mais rápido ali em Atibaia. Na mesma hora ele falou para voltaram para São Paulo, comprarem o que tinham que comprar e que só voltassem ali com os medicamentos que pudessem me recuperar rapidamente”, divertiu-se Sampaio enquanto lembrava-se das ordens do comandante.
Na quinta-feira que antecedeu o jogo do dia 12 de junho, um sábado, César Sampaio pôde voltar a treinar com o grupo. O volante ainda se lembra de como os dias antes da partida foram exclusivamente dedicados ao estudo da equipe adversária. “Nós dormíamos e acordávamos com o Corinthians na cabeça, o foco era muito grande.”
Além da necessidade de vitória, o camisa 5 teria outra missão espinhosa durante a partida contra os rivais alvinegros: marcar o atacante Viola, que na primeira partida da final havia feito o gol da vitória corintiana e imitado um porco na frente da torcida palmeirense. A imitação, aliás, acabou servindo de estímulo para todo o grupo durante a decisiva semana de preparação.
“Nós mudamos o posicionamento em relação ao primeiro jogo e eu fiquei marcando o Viola. Tive que ficar mais na proteção e saí menos para o jogo. Na bola parada, eu fazia marcação individual nele. O próprio Viola não imaginava o quanto aquela imitação serviria de referência para nós. Na preleção, o Vanderlei (Luxemburgo) colocou o vídeo dele imitando o porco, com a torcida do Corinthians falando que o Palmeiras iria pipocar novamente, que ficaríamos mais um ano na fila…”
No dia da partida, mais de 104 mil pessoas marcaram presença no Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, para acompanhar a final do Campeonato Paulista de 1993. A vantagem corintiana, conta Sampaio, não abalou a confiança dos jogadores do Palmeiras. Já no túnel de acesso ao gramado, o atacante Evair, por exemplo, pediu para que todos olhassem um no olho do outro, que a hora havia chegado e que quando voltassem ali estariam todos comemorando o título. “Apesar do tempo, essa é uma cena que minha memória nunca vai apagar.”, relatou o volante.
“Nós tínhamos um time superior tecnicamente e ninguém entendia o que tinha acontecido no primeiro jogo. Na segunda partida, entramos ligados desde o começo, atropelamos a equipe deles, fomos ganhando a segunda bola, ganhando na frente. Os gols foram uma questão de tempo, foram saindo de maneira natural. A nossa atmosfera positiva e a boa atuação nos levaram a conquistar aquele título”, completou.
Os 3 a 0 no tempo normal garantiram a possibilidade do Palmeiras disputar a prorrogação contra a equipe corintiana. Derrota de 1 a 0 na primeira partida, vitória no segundo jogo e a final seria definida nos 30 minutos do tempo extra. Durante o prolongamento, pênalti para o Palmeiras. Pênalti para Evair bater.
Sempre que o camisa 9 do Palmeiras pegava a bola para bater um pênalti, César Sampaio ia até ele e dizia “Deus esteja contigo”. Mas, especialmente na final de 1993, em uma das cobranças mais importantes da história alviverde, o volante não conseguiu ir até o atacante. “Na hora, eu já estava comemorando. Não consegui ir até ele. Quando o juiz assinalou o pênalti, eu fiquei totalmente dominado pelo momento e só conseguia pensar ‘bate logo isso e faz o gol, por favor’, mesmo que de longe. Ele era o melhor batedor de pênalti que pude trabalhar em toda minha carreira, muita precisão, movimento na hora que o goleiro se mexia… sabia que faria o gol. Mais uma vez ele foi preciso e conseguiu ratificar a vitória”, comemorou.
Depois do quarto gol palmeirense naquela tarde, o título foi questão de tempo. A comemoração, também. Eram 16 anos de fila, interrompidos por um Campeonato Paulista justamente sobre o maior rival. “Saímos do estádio, entramos no ônibus, demos uma volta em São Paulo, fomos até o Parque Antártica e depois fomos para uma churrascaria, se não me engano, com nossas famílias e amigos. A noite foi curta para tanta comemoração. Nós merecíamos. O Palmeiras merecia”, recordou César Sampaio, que em 1999 ainda levantaria o troféu de campeão da Copa Libertadores pelo Verdão e em 2011 voltaria ao clube como gerente de futebol.