José Carlos Brunoro e dez curiosidades sobre o título de 93
José Carlos Brunoro, o mandachuva da vitoriosa co-gestão Palmeiras/Parmalat da década de 90, viveu muita coisa no Palestra Itália. Desde 1992, quando recebeu carta branca da diretoria alviverde, tomou decisões penosas, resolveu problemas espinhosos, errou, acertou – mais do que errou – e, principalmente, colecionou histórias. A vinda do dirigente para o Palmeiras, inclusive, já é curiosa.
“Eu vim para o Verdão por acaso. Na época, eu era dirigente do time de vôlei da Pirelli e a empresa estava desativando os esportes. O vôlei, porém, era um sucesso e o carro-chefe deles, e eles começaram a se reunir com grupos a fim de dar sequência ao projeto. Um dia, a Parmalat foi lá. A reunião começou e o assunto futebol apareceu na mesa. Eu, que era técnico de futebol formado (resolvi fazer o curso por hobby), comecei a conversar bastante. Aí, o presidente da Parmalat passou a me olhar diferente e me perguntou:
‘Para qual time você torce?’
‘Palmeiras’, respondi.
Eles ficaram quietos em um primeiro momento e depois nós continuamos a conversar sobre futebol. Pegou até mal entre o pessoal da Pirelli. Afinal de contas, o assunto era vôlei (risos). Mas, enfim, quando a italianada terminou a reunião, disse que queria continuar o papo comigo no dia seguinte. Ok, achei que falaríamos de vôlei, né? Mas, chegando lá, o presidente da Parmalat me disse:
‘Brunoro, não quero nada com esse negócio de vôlei, não. Quero conversar com você sobre o Palmeiras. Estamos perto de acertar um acordo com eles e você, que está na Pirelli há 14 anos e tem uma experiência boa administrando um esporte, é a pessoa Ideal para nós. Além disso, você é palmeirense’.
Fui pego de surpresa. Pedi uma sala para pensar e disse que responderia no mesmo dia. Puseram vários biscoitos importados na mesa e tal (risos). Optei por não ficar perguntando para ninguém. Eu era solteiro, a decisão seria só minha. Passou um filme da minha vida inteira. E, horas depois, cheguei à conclusão de que estava preparado. Eu sempre digo que nossa capacidade tem de estar sempre acima dos nossos desafios. E deu certo.
O italiano apenas me olhou e disse: ‘Gostei de você. Você é rápido. Ainda bem que você aceitou. Se não fosse você, eu teria que trazer um italiano’, gargalhou Brunoro ao Site Oficial do Palmeiras, em entrevista concedida em comemoração aos 20 anos da conquista.
Estágio na Itália
Tarimbado no universo do vôlei (foi campeão como jogador, técnico e dirigente), Brunoro pediu, quando chegou ao Palmeiras, três meses para se familiarizar com o futebol. “Quando cheguei, pedi um período de três meses. Fui para Itália em março e fiquei observando o funcionamento do Parma até julho, que foi quando comecei a implementar o projeto aqui. Mas o começo foi muito duro. Eu não tinha ideia de como era o mundo do futebol, da torcida, da paixão, dos cartolas…”.
Parmalat é ilusão?
No início do projeto, o dirigente teve que conviver muito com as críticas. “Era uma situação difícil. Eram 15 anos sem título. Havia desconfiança, baixa autoestima. Ninguém servia e ninguém prestava. E os torcedores não entendiam o que seria a parceria e pichavam ‘Parmalat é ilusão!’ e ‘Fora, Brunoro’”.
Contratações e reintegração de Evair
O Verdão perdeu a final do Paulista de 1992 para o São Paulo. Apesar da derrota, a base estava montada para o ano seguinte, quando chegaram os reforços que se encaixaram como uma luva. “Cléber e Antônio Carlos estavam na Europa querendo voltar e chegamos a ele por indicações, informações de empresários. Já o Roberto Carlos era uma promessa que estava na seleção de base, e o Edmundo era uma revelação. O Vasco estava precisando fazer caixa e vendeu. O Edílson era um destaque do Guarani também. Enfim, fizemos tudo isso com muito pouco dinheiro, uma quantia irrisória nos padrões de hoje. Além disso, eram todos jogadores com perfil de vencedor. Sem contar que já tínhamos no elenco César Sampaio, Mazinho, entre outros”, afirmou Brunoro, que acertou em outro ponto: reintegrar o Matador Evair, afastado por ‘deficiência técnica’ pelo ex-técnico Nelsinho Baptista. Na ocasião, o treinador era Otacílio Gonçalves.
Lei do passe x direitos econômicos
Um fator a favor de Brunoro na montagem do elenco de 1993 era a antiga lei do passe. “Era uma realidade diferente, muito melhor para o clube. Você comprava o passe do jogador e ele era seu. Com o tempo, tinha o decréscimo do percentual que ia para jogador, mas era muito mais fácil, era só negociar com o outro clube. Não precisava acertar com grupos de investidores, empresários, agentes e tantas outras pessoas como é atualmente”.
Chegada de Luxemburgo
Em um primeiro momento, Brunoro foi voto vencido. Ele queria Vanderlei Luxemburgo, mas o então técnico de destaque no Bragantino não era o preferido da alta cúpula alviverde. Assim, o veredicto teve de ser tomado após entrevistas. “O time começou a perder e optamos por demitir o Otacílio. O pessoal do Palmeiras queria o Nelsinho Rosa, campeão brasileiro pelo Vasco em 1989 e tudo mais. Mas eu queria o Luxemburgo. Resolvemos então entrevistar os dois. O Nelsinho tinha alguns problemas pessoais e percebemos que ele não estava muito disposto. Já o Vanderlei chegou preparado, disse o que achava do time, no que poderia melhorar. Ele disse também: ‘Essa é a oportunidade da minha vida e, por conta dela, vou chegar à seleção’”. Luxemburgo ganhou a simpatia de todos, com exceção de um detalhe. “O Nelsinho era um senhor mais tradicional. Já o Vanderlei veio de camisa de seda aberta, com cabelo black power, várias correntes no pescoço. Quando ele entrou na sala, o (Gilberto) Cipullo (diretor) deu uma arregalada nos olhos. Confesso que pensei que eles não o aceitariam (risos)”.
Brunoro ‘boleiro’
Brunoro era um dirigente diferente. Jovem (42 anos no início de 1993), usava um vistoso bigode e interagia bastante com os jogadores e a comissão técnica. “Como fui técnico de vôlei por 20 anos, sabia lidar muito com o ego dos atletas. Usei muito essa minha experiência, conhecia o linguajar do jogador. E, quando o Luxa chegou, nós dois absorvíamos os problemas juntos. Além disso, eu fazia coisas como correr com os atletas no campo. Eu saía um pouco do dirigente tradicional que só chega no fim do expediente. Tinha uma aproximação legal”.
Vídeo motivacional antes da finalíssima
O Palmeiras perdeu a primeira partida da final por 1 a 0. Viola imitou um porco na comemoração. E o tiro saiu pela culatra. “Fizemos um vídeo, primeiramente, para exaltar a qualidade do nosso time. Mostramos gols e lances dos jogadores durante o campeonato. Mas, no intervalo de quatro jogadas, colocamos o gesto do Viola e uma imagem do Neto pedindo silêncio para a torcida do Palmeiras. Foi uma inovação, o pessoal não trabalhava muito com isso. O time ficou bem pilhado, dava para sentir no semblante deles. Eu sabia que seríamos campeões”.
Velas no vestiário
O dia 12 de junho de 1993 de Brunoro foi recheado de sofrimento, comemoração, alívio e… velas. “Eu acordei com muito frio na barriga. Perdemos em 1992 e eu sentia que o time ia ganhar. Estava muito ansioso, por todo o ambiente, pela semana após a derrota. Era importante para mim também, pois havia sido o meu aniversário no dia 11 – e eu queria um presente – e pela co-gestão. Não quis ficar na arquibancada. Fiquei no vestiário e assisti ao jogo em uma televisãozinha portátil. Lembro que acendemos muitas velas e que falei para o roupeiro da época para não faltar nenhuma até o fim do jogo. Só que no pênalti do Evair as velas começaram a diminuir e falei: ‘Chiquinho, vai atrás de velas. Não podemos ficar sem’. Ele deu um jeito e achou. Acendemos mais velas. E ganhamos! (risos)”
Meias brancas
Diferentemente das velas do vestiário, a mais emblemática superstição do dia foi a campo e, inclusive, vestida por todos os jogadores palestrinos. O técnico Vanderlei Luxemburgo, que tinha lá suas excentricidades, acatou uma sugestão do pai de santo e seu conselheiro particular Roberio de Ogum e, assim, ordenou que o time atuasse de meias brancas. O Verdão não utilizava tal combinação (camisa verde, calção branco e meias brancas) havia tempos… E não é que deu certo? As meias brancas, as mesmas que haviam ganhado o Campeonato Paulista de 1976 – então o último título alviverde –, participaram de outra conquista do Palmeiras e adquiriram de vez o rótulo de talismãs. Em 2008, o clube, novamente comandado por Luxemburgo, alcançou a final do estadual de novo e, sem titubear, apelou mais uma vez para as indefectíveis meias brancas. Resultado: Palmeiras campeão!