Há exatos 85 anos, ídolo Romeu Pellicciari debutava no Palestra Italia

Bruno Alexandre Elias
Departamento de História

Divulgação _ Romeu é um dos maiores goleadores do Verdão diante do Corinthians na históriaO Palmeiras comemora nesta segunda-feira (24) o 85º aniversário da estreia do meia Romeu Pellicciari (Jundiaí, 26 de março de 1911 – São Paulo, 15 de julho de 1971), famoso por ter comandado o time esmeraldino na épica goleada sobre o arquirrival Corinthians, por 8 a 0, em 1933, além de ter sido um dos azes do Alviverde em uma das equipes mais vitoriosas da história: o esquadrão tricampeão paulista em 1932-33-34.

Filho de seo Humberto e de dona Ida Pellicciari, Romeu tinha a familia grande: era um pedaço da Itália distante dos Pellicciari, a crescer na pequenina e brasileira Jundiaí. Humberto e Ida tiveram cinco meninas e cinco meninos – um dos quais Romeu –, todos eles nascidos na velha casa da Rua Rio Branco, também perto da estação.

Embora Romeu desde cedo aprendesse a ser amigo dos nove irmãos, pois a família sempre vivera unida, guardava maior afinidade com Radamés. Os outros podiam ter quase os mesmos gostos e hábitos, como ir à missa de domingo na matriz de Nossa Senhora do Desterro, brincar na calçada, andar pela cidade ou molhar os pés nas águas do Guapeva e Capivari-mirim. Nenhum deles, porém, gostava tanto da bola como Radamés.

“Ainda vamos fazer uma ala de arromba”, dizia o irmão Radamés ao pequeno Romeu. Mas a única ala que os dois conseguiram fazer foi aquela no Barranco FC, timinho que eles mesmos fundaram com os primos e alguns vizinhos.

A ala não durou muito, pois Romeu logo passou a jogar de centroavante, enquanto Radamés foi mudando aos poucos de posição, até trocar o ataque pela linha de médios. O Barranco, por sua vez, durou o bastante para alegrar a meninice dos Pellicciari e outros jundiaienses.

Duas exigências eram feitas aos jogadores do Barranco: ter menos de 15 anos e adotar o nome de um craque famoso, de preferência do futebol paulista. Foi o que se discutiu na primeira reunião.

                – Eu serei o Friedenreich – decidiu um admirador do “El Tigre”.

                – Eu serei o Tuffy – ajuntou o que gostava de pegar no gol.

                – Pois podem me chamar de Grané – disse um terceiro.

Romeu ficou sendo o Bororó, mais por causa do nome, que achava engraçado, do que pelo “half” do Corinthians, que nunca vira jogar. Durante algum tempo – no qual “Friedenreich, Tuffy, Grané e Bororó” brilharam nos campos sem grama de Jundiaí –, só em casa o chamavam de Romeu. Mas, em 1926, completando a idade que o afastava em definitivo do Barranco, voltou a ser conhecido pelo próprio nome, já agora como centroavante do São João, cujo time era o melhor de toda a cidade.

Os caminhos de Romeu e do Palestra se cruzaram pela primeira vez quando o recém aposentado Bertolini – que fazia juntamente com Picagli e Fabbi, no Palestra Italia, uma das melhores linha-média do futebol Paulista –, descobriu Romeu no São João de Jundiaí: ele ficou deslumbrado com o drible curto do jogador, que entortava as zagas adversárias. O detalhe curioso é que Bertolini era conterrâneo de Romeu, pois também nascera na cidade jundiaiense.

O São João, no entanto, fez valer o seu direito e não quis liberar o seu grande centroavante. E Bertolini, portanto, retornou para São Paulo sem o jovem atleta. A fama de Romeu já ultrapassava as fronteiras da velha Jundiaí quando o técnico palestrino Humberto Cabelli, juntamente aos dirigentes, praticamente ordenou que Bertolini retornasse à sua cidade natal e não a deixasse sem trazer consigo o fenomenal Romeu Pellicciari.

Após muito insistir, finalmente, tanto o São João quanto a família Pellicciari, que estava relutante em ver o jovem Romeu deixar a pequena Jundiaí e ir para a capital, decidiram deixar com o próprio Romeu a decisão. E ele decidiu. Agora, o ano era 1930, e Romeu iria defender as cores de uma das maiores equipes do cenário futebolístico do período: o grande Palestra Italia!

Divulgação _ Em 153 jogos pelo Palestra Italia, Romeu marcou 101 golsO debute do meia com a camisa do Palestra Italia, em 1930, não poderia ser mais emocionante: foi em uma partida de Campeonato Paulista diante do Corinthians. E o Palestra Italia goleou o rival por 4 a 0! Os tentos foram assinalados por Serafini, Ministrinho, Heitor e, é claro, Romeu. O cartão de visitas já dava uma amostra de como seria a passagem do meia pelo clube esmeraldino.

Em seus 15 primeiros jogos com a camisa do Palestra, o jogador balançou as redes adversárias em cinco oportunidades e permaneceu invicto durante todas elas. Só foi conhecer o seu primeiro revés como jogador palestrino em 08/02/1931, em um amistoso diante do Guarani.

Computando apenas as partidas válidas por competições oficiais, os números de Romeu pelo Palestra Italia foram ainda mais incríveis: com dez gols marcados, o palestrino se manteve invicto por 24 partidas desde a estreia (19 vitórias e cinco empates). O primeiro revés oficial aconteceu apenas em 28/06/1931, na Vila Belmiro, contra o Santos, pelo Paulistão daquele ano.

Em 1932, em seu segundo ano como jogador do Alviverde, Romeu Pellicciari comemorou o seu primeiro caneco no clube: foi com a goleada por 8 a 0 sobre o Santos que o Verdão encerrou a participação vitoriosa no Paulistão de 1932, campeonato que marcou – junto aos outros estaduais – o fim da era amadora no futebol brasileiro. A partir de então, o futebol iria tomar moldes mais profissionais.

Com 18 gols anotados no certame de 1932 – edição na qual a competição contou com um número reduzido de partidas devido à Revolução Constitucionalista –, Pellicciari sagrou-se, pela primeira vez, o artilheiro do Campeonato Paulista: o detalhe é que o seu time havia sido campeão com 100% de aproveitamento.

Já no ano seguinte, em 1933, Romeu teria a honra também de abrir, junto aos seus companheiros de equipe, o ciclo de conquistas da era profissional do futebol nacional, faturando o bicampeonato paulista – com direito a quatro tentos na goleada que terminou em 8 a 0 ante o maior rival, o Corinthians – e, de quebra, conquistando ainda a primeira edição do Torneio Rio-São Paulo, que à época tinha o mesmo peso de um brasileiro.

“As maiores forças do futebol nacional se concentravam no Rio de Janeiro e em São Paulo, isso é um fato. O Palmeiras possui cinco títulos de Rio-SP, e aquele foi o primeiro!”, observa o pesquisador palmeirense Miro Moraes. “Muitos consideram aquele Rio-SP como embrião do Campeonato Brasileiro. Era algo como o gênese, uma experiência… É óbvio que isso é uma questão de opinião, embora muitos jornalistas já tenham levantado a questão (de que o Rio-SP de 1933 teria sido um embrião). Hoje pode soar como uma blasfêmia, mas para a história não é nenhum exagero, não. O campeonato teve o peso de um Campeonato Nacional, pois a força do futebol brasileiro estava concentrada no eixo Rio-São Paulo”, reforça Miro.

Chegou o ano de 1934 e, após a jornada que culminara na conquista de um bicampeonato paulista para o Palestra (1932-33) e um Rio-SP (1933), a equipe palestrina de Romeu partiu rumo ao tri. E foi com uma única derrota em 14 jogos disputados que o Alviverde consumou o seu tão sonhado tricampeonato (o único da história alviverde); o time balançou as redes adversárias, ao longo da campanha, por 45 vezes, e sofreu oito tentos. Desta vez com 13 gols, Romeu se tornou – novamente –, o artilheiro da competição.

Em 1935, foi a hora de Romeu se despedir do Palestra. E deixou muita saudade: ele era um ídolo da torcida e das crianças! Seguiu para o Rio de Janeiro, onde defendeu as cores do Fluminense por oito temporadas consectivas – neste meio tempo, em 1937, teve uma rápida passagem pelo Palestra, pelo qual jogou um amistoso e uma partida válida pelo Paulistão.

Em 1942, após conquistar um tricampeonato pelo Fluminense (1936-37-38), Romeu Pellicciari deixava o tricolor carioca e voltava para ao seu verdadeiro lar: o Palestra. Quando Romeu voltou ao Verdão, aliás, o clube passava por um dos momentos mais dramáticos e delicados de sua história.

O Palestra estava sendo pressionado a mudar de nome devido o fato de ser uma agremiação que historicamente e culturalmente é enraizada à Itália, país que era um dos inimigos do Brasil nos tempos da Segunda Guerra Mundial. Se tentasse resistir à ordem, poderia ter seus bens confiscados.

Apesar de todo o clima hostil, o time esmeraldino protagonizaria uma Arrancada Heroica: jogaria naquele certame pela primeira vez com atual nomenclatura, e, de quebra, tornar-se-ia campeão paulista de 1942 frente a um dos adversários que mais lhe desejavam o mal durante todo o episódio de perseguição.

Desta forma, o Palmeiras escreveu um dos capítulos mais emblemáticos dos quase 101 de sua história. E Romeu, é claro, fez parte dela. No épico Paulistão de 1942, Romeu Pellicciari atuou em cinco partidas: venceu quatro empatou uma; marcou dois gols.

Ao lado de César Maluco, Romeu é o jogador palestrino que mais vazou o Corinthians: ambos possuem 14 gols contra o rival. Curiosamente, em todos os jogos em que Pellicciari balançou as redes alvinegras, o Palestra jamais saiu derrotado de campo. Ao todo, o meia defendeu a equipe palestrina em 153 oportunidades, acumulando 104 vitórias, 22 empates e 27 derrotas. Assinalou 101 tentos.

FICHA DA PARTIDA DE ESTREIA

Palestra Italia 4 x 0 Corinthians

Data: 24/08/1930
Local: Parque Antártica, em São Paulo (SP)
Competição: Campeonato Paulista
Árbitro: Karl Strobel
Gols: Serafini, aos 15min do primeiro tempo; Romeu, aos 6min, Ministrinho, aos 30min, e Heitor, aos 44 do segundo tempo.

Palestra Italia: Nascimento; Loschiavo e Volpini; Pepe, Goliardo e Serafini; Ministrinho, Romeu Pellicciari, Heitor, Lara e Osses. Técnico: Eugênio Medgyesi (Marinetti)

Corinthians: Tuffy; Grané e Del Debbio; Nerino, Guimarães e Leone; Apparício, Perez, Gambarotta, Ratto e Ratto II. Técnico: Ñ/disp.