Fernão Ketelhuth
Departamento de Comunicação

Texto originalmente publicado na edição 54 da Revista Palmeiras. Para acessar o conteúdo completo desta e de outras reportagens, baixe agora mesmo o App Revista Palmeiras na Play Store ou na Apple Store.

Paulo Pomponi Neto (2° da esquerda para a direita) com os filhos Rafael e Rodrigo, o neto Gabriel e os jornais guardados por seu pai, Djalma (Arquivo Pessoal/Reprodução)

No auge de seus 26 anos, o mineiro Djalma Pomponi viajou de trem ao Rio de Janeiro (RJ) para assistir, in loco, à final da Copa de 1950. Torcedor do Palmeiras, tinha convicção de que o Brasil, regido pelo craque palestrino Jair Rosa Pinto, conquistaria o título mundial pela primeira vez. A derrota para o Uruguai por 2 a 1, de virada, causou-lhe uma frustração tão grande quanto o Maracanã, que naquele fatídico 16 de julho comportara quase 200 mil pessoas.

“Meu pai contava que havia tanta gente no estádio que ele mal conseguia mexer os braços para comer um sanduíche”, rememora o engenheiro Paulo Pomponi, de 66 anos, filho caçula de Djalma.

A ferida provocada pelo Maracanazo ainda sangrava quando, em 1951, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD, atual CBF) organizou no país o primeiro campeonato mundial de clubes. Chancelado pela Fifa, o Torneio Internacional de Clubes Campeões contou com oito times divididos em dois grupos, sediados em São Paulo e Rio.

> Saiba mais sobre o título do Torneio Internacional de Clubes Campeões de 1951

Após uma primeira fase oscilante, com duas vitórias (Nice-FRA e Estrela Vermelha-IUG) e uma derrota (Juventus-ITA), o Alviverde eliminou o favorito Vasco para garantir vaga na decisão. Empolgado com a campanha palmeirense, Djalma comprou outro bilhete de trem rumo à capital fluminense e, no dia 22 de julho, juntou-se aos mais de 100 mil torcedores que encheram a arquibancada do Maracanã para incentivar a equipe paulista com gritos de “Brasil, Brasil…”.

“O Globo” chama o Palmeiras de Campeão dos Campeões do Mundo (Arquivo Pessoal/Reprodução)

O empate com a Juventus (2 a 2) assegurou o troféu ao Palmeiras, que havia vencido o jogo de ida (1 a 0). Na manhã seguinte, antes de retornar a São Paulo, onde morava desde os 18 anos, Djalma fez “a rapa” em uma banca de revistas: adquiriu as edições de 23 de julho dos jornais cariocas “O Globo”, “Campeão” e “Última Hora”, além dos paulistas “Diário da Noite” e “A Gazeta Esportiva”.

Campeão dos campeões

Todos os periódicos exaltam a façanha inédita alcançada pelo clube brasileiro. As manchetes de “Última Hora”, “Campeão”, “Diário da Noite” e “A Gazeta Esportiva” são enfáticas: “Palmeiras, campeão do mundo”. Já o “O Globo” vai além, descrevendo o Verdão como o “Campeão dos Campeões do Mundo”.

Ao chegar em casa, Djalma guardou as páginas recém-impressas em um armário de portas de vidro instalado no quarto em que dormia com a esposa, Nair. Às publicações trazidas do Rio, somaram-se depois registros do título da Seleção na Copa de 1958 e das conquistas alviverdes na década de 1960.

De ascendência italiana, Djalma fez questão de transmitir aos filhos e netos o amor pelo Palmeiras. Frequentador assíduo do Estádio Palestra Italia, ele teve uma gráfica especializada em bulas de remédio e uma fábrica de sacolas de papel. Morreu em 2013, aos 89 anos, sem nunca ter se mudado da residência onde se estabeleceu com a família, no bairro Mirandópolis, Zona Sul da capital.

História viva

Página interna do “Última Hora” relata que o Verdão esteve perto da virada (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Cansado do tom jocoso que parte da imprensa reserva ao Mundial ganho pelo Verdão, Paulo vasculhou recentemente o velho armário do pai e encontrou a coleção preservada por quase sete décadas. Surpreso com o bom estado dos jornais, fotografou-os com o celular e enviou as imagens à Revista Palmeiras.

“É um material fantástico. Algumas dessas publicações, sobretudo as do Rio, são inacessíveis até mesmo em arquivos e bibliotecas”, diz o jornalista e historiador Fernando Galuppo, do Departamento de Comunicação do Palmeiras.

Os periódicos resgatam, em detalhes, um capítulo grandioso da história do esporte nacional. Assim se inicia, por exemplo, a crônica do jogo publicada em “Última Hora”: “O Palmeiras obteve, ontem, no Maracanã, a mais bela vitória do futebol brasileiro. Frente a um adversário da categoria e da combatividade do Juventus, o campeão de São Paulo tornou-se o campeão do mundo”.

“Ao compartilhar estes jornais, eu espero que a verdade sobre o Mundial de 1951 chegue a um grande número de pessoas e também àqueles jornalistas que, talvez por falta de conhecimento, tentam desmerecer o nosso feito”, explica Paulo, assim batizado em homenagem ao avô, igualmente palestrino e associado do clube nos anos 1940. “Toda a imprensa da época, inclusive a carioca, tratou o Palmeiras como campeão do mundo. Não foi somente um ou outro jornal. O meu pai guardou este material por tanto tempo porque queria preservar a história que ele viveu. É o que estamos fazendo agora, nesta reportagem.”

Túlio relatou ao jornal “O Globo” que teve sua dentadura quebrada durante o jogo (Acervo Histórico)

Dentadura quebrada

A ampla cobertura da decisão do Mundial de 1951 feita pela imprensa carioca traz detalhes saborosos sobre a conquista palmeirense. O jornal “Última Hora” relata, por exemplo, que o Verdão só não venceu o jogo por 3 a 2 porque o capitão Jair Rosa Pinto desperdiçou o gol “que completaria a apoteose”. O mesmo periódico registra também o clima tenso que predominou nos minutos finais da partida, com direito a um soco do dinamarquês Praest no zagueiro alviverde Juvenal – o árbitro Gabriel Tordjan, porém, ignorou a agressão.

Não foi o único ato de hostilidade praticado pela equipe italiana. Em entrevista publicada por “O Globo”, o meio-campista Túlio acusa “um dos Hansen” (Karl ou Johan, também dinamarqueses) de ter quebrado a sua dentadura com um murro. “Eles são tão parecidos que não distingui bem no tombo”, queixou-se o atleta do Verdão, ainda com as gengivas sangrando, segundo a reportagem.

Já o periódico “Campeão” destaca a atuação do atacante Rodrigues, considerado o melhor em campo, bem como o ambiente alegre do vestiário palestrino depois do jogo. Segundo a publicação especializada em esportes, o técnico Ventura Cambon e o goleiro Fábio “falavam pelos cotovelos”.

Da esquerda para a direita: capas dos jornais “Última Hora”, “Campeão” e “Diário da Noite” (Arquivo Pessoal/Reprodução)
A crônica do jornal “Campeão” destaca a grande atuação de Rodrigues (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Ficha técnica

Juventus-ITA 2×2 Palmeiras
Fase: Final (jogo de volta)
Data: 22/07/1951
Estádio: Maracanã, no Rio de Janeiro (RJ)
Árbitro: Gabriel Tordjan (França)

Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Lima, Ponce de León (Canhotinho), Liminha, Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon

Juventus: Viola; Bertucceli e Manente; Mari, Parola e Bizzoto; Muccinelli, Karl Hansen, Boniperti, Johan Hansen e Praest. Técnico: Jesse Carver

Gols: Praest aos 18 do 1º tempo; Rodrigues aos 2, Karl Hansen aos 18 e Liminha aos 32 do 2º tempo

Em pé, da esq. para dir: Dema, Salvador, Juvenal, Fábio, Túlio e Luiz Villa; agachados: Lima, Ponce de León, Liminha, Jair e Rodrigues (Acervo Histórico)