Breno Lopes, em depoimento a Fernão Ketelhuth*

Quando o professor Abel Ferreira me chamou para entrar na final da Libertadores de 2020, sabia que aquela era uma chance única na minha vida. E também um grande desafio. O jogo estava nervoso, truncado. Quem marcasse o primeiro gol dificilmente deixaria o título escapar. Por isso, procurei me concentrar ao máximo.

O professor avisou que o Gabriel Menino sairia e me pediu para colocar intensidade no jogo, aproveitando as costas do lateral-esquerdo do Santos. Antes da substituição, ele ainda arriscou uma profecia. Você pode não acreditar, mas é verdade: o Abel falou para eu me preparar porque faria o meu segundo gol com a camisa do Palmeiras – o primeiro tinha saído três dias antes, contra o Vasco.

Nos acréscimos, o Rony foi ao nosso banco de reservas para beber água. Bastante cansado, me perguntou se podíamos trocar um pouco de posição: ele ficaria na ponta direita, perto da área técnica, e eu iria para a esquerda. Falei “tudo bem”, sem imaginar que aquela mudança momentânea faria toda a diferença na minha vida.

Breno Lopes observa trajetória da bola após cabecear para marcar seu gol contra o Santos (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

Quando o Rony dominou o lançamento do Danilo, no lado direito do campo, já corri para a área. O cabeceio não é meu forte, mas treino muito. E, naquele momento da partida, tinha de tentar algo diferente. Assim que partiu o cruzamento, percebi que o goleiro ameaçou sair, mas não saiu. Tomei impulso, abri bem os olhos e cabeceei no contrapé dele. A bola beijou a bochecha da rede.

Já ouvi muita gente dizer que, quando algo importante acontece na sua vida, um filme passa pela sua cabeça. Foi o que ocorreu comigo na tarde do dia 30 de janeiro. Enquanto eu corria em direção à tribuna do Maracanã, na esperança de comemorar o gol do título com os meus pais, Wellington e Lucilene, me lembrei de todas as dificuldades que passei antes de entrar na história do Palmeiras.

Breno Lopes comemora seu gol na final da CONMEBOL Libertadores 2020 (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

Obstáculos na carreira

O meu nome completo é Breno Henrique Vasconcelos Lopes. Nasci em 1996 em Belo Horizonte (MG) e cresci no bairro São Bernardo, próximo da Lagoa da Pampulha. Como a maioria dos jogadores, sou de família pobre. Meus pais tiveram de trabalhar muito para sustentar os seis filhos. Nunca passamos fome, mas não podíamos ter tudo o que quiséssemos. Quando era criança, cansei de ver o meu pai correndo atrás de doações para poder me dar um par de chuteiras.

A nossa educação foi muito boa. Ninguém desviou para o caminho das drogas, do crime. Alguns dos meus amigos de infância não tiveram a mesma sorte e morreram; outros estão presos.

O atacante jogou na várzea dos 15 aos 17 anos (Foto: Acervo Pessoal)

Comecei a sonhar em ser jogador aos 11 anos. O patrão do meu pai, cujo filho treinava na escolinha do Cruzeiro, me arranjou um teste. Fui aprovado. Joguei lá até os 15, quando me dispensaram. Fiquei desiludido. Desisti de tentar ser atleta profissional. Passei dois anos atuando só na várzea, onde recebia de R$ 150 a R$ 200 por jogo.

Tinha 17 anos quando participei da final de um campeonato de futebol amador. Fomos campeões e eu fiz dois gols, o primeiro deles, vejam só, de cabeça. Um amigo que estava no Esporte Clube São José, de Porto Alegre (RS), me viu jogando e insistiu para eu fazer um teste. Não queria ir, mas meu pai me convenceu a viajar: “Você ainda é novo, filho. Quem sabe não dá certo desta vez?”

Deu certo. Passei no teste e as coisas começaram a melhorar. Disputei um torneio juvenil pelo São José e o pessoal da base do Joinville me chamou para jogar lá em 2016. Fiquei em Santa Catarina até o fim de 2018, quando fui contratado pelo Juventude. Logo na minha primeira temporada em Caxias, ajudei o clube a subir para a Série B.

No início de 2020, fui emprestado para o Athletico-PR, que não quis exercer a opção de compra dos meus direitos. Voltei então ao Juventude e me destaquei na Série B. Acabei o primeiro turno com nove gols. Vários clubes da Série A (Sport, Botafogo, Bahia, Atlético-MG…) procuraram o Juventude querendo o meu empréstimo, mas a diretoria deixou claro que só me liberaria se fosse em definitivo.

Breno Lopes foi apresentado pelo vice-presidente Paulo Buosi (à esquerda) em novembro de 2020 (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

Sendo sincero, quando meu empresário me contou do interesse do Palmeiras, não dei muita bola. Não criei expectativa para não me frustrar. E tem outra: eu já estava acertado com um time do Japão. Viajaria para lá em fevereiro. Ou seja, se o Palmeiras não aparecesse no meu caminho, eu estaria agora do outro lado do mundo.

Tudo aconteceu rápido. No domingo, 8 de novembro, enfrentei o CRB. Na segunda, meu empresário ligou para falar que o Juventude havia aceitado a oferta do Palmeiras. Na terça, assinei o contrato e, na quinta, vim para São Paulo. No sábado, fiz a minha estreia.

Foi uma mudança radical. De um dia para o outro, estava treinando ao lado de caras que antes eu só eu via pela TV, como o Felipe Melo. Às vezes, até me perguntava: “Será que estou vivendo isso mesmo?”.

Apoio do elenco e da família

O jogador Breno Lopes e o técnico Abel Ferreira (à direita) durante treinamento na Academia de Futebol (Foto: Fabio Menotti/Palmeiras)

Logo em meu primeiro dia na Academia de Futebol, o professor Abel me chamou em sua sala. Ele abriu uma planilha e me mostrou tudo o que eu tinha de fazer, com e sem a bola, para ajudar o time. Fiquei impressionado. Não é algo a que estamos habituados no Brasil.

O professor falou também sobre a responsabilidade de jogar em um clube grande. Pediu para eu ignorar tudo o que vem de fora: não deveria me iludir com os elogios nem me abater com as críticas.

O meu início não foi fácil. Cheguei sob desconfiança da imprensa e da torcida. Queria tanto provar que tinha condições de atuar no Palmeiras que acabei ficando ansioso demais. Perdi algumas oportunidades que não costumo perder. Acho que acertei umas três bolas na trave antes de marcar o meu primeiro gol pelo clube.

O apoio dos companheiros foi fundamental na minha adaptação. Lembro de uma conversa que tive com o Rony. Ele também demorou para se firmar na equipe e me passou tranquilidade. Disse para eu seguir trabalhando forte que a minha sorte mudaria.

E não é que mudou mesmo? Depois que marquei contra o Vasco, um peso grande saiu dos meus ombros. Estava confiante de que, se tivesse a oportunidade de entrar contra o Santos, faria um bom jogo.

Felizmente, fiz mais do que um jogo bom. Acabei escolhido o Melhor Jogador da Partida que garantiu ao Palmeiras o bi da Libertadores. Ainda no Maracanã, entreguei o troféu para os meus pais. Sem o apoio deles e da minha filha, Manuela, não teria chegado tão longe.

Herói na decisão, Breno Lopes recebeu o prêmio de melhor jogador da final (Foto: Staff Images/Conmebol)

Claro que estou feliz com tudo o que vem acontecendo na minha vida, mas ainda não me sinto satisfeito. Quero conquistar ainda mais títulos pelo Palmeiras e entrar de vez na história do clube.

Por que não sonhar? Há pouco mais de um ano, estava jogando a Série B. Hoje, sou bicampeão da América. Nada é impossível.

* Texto adaptado do original publicado na edição especial da Tríplice Coroa, lançada em abril de 2021.