Leivinha completa 45 anos da estreia pelo Verdão e relembra momentos da carreira

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Divulgação_Leivinha fez parte Segunda Academia junto a grandes ídolos como Luis Pereira, Ademir de Guia e Leão

Na segunda Academia, quem ditava o ritmo da equipe era Ademir da Guia, o Divino. Mais à frente, porém, outro jogador de cabelos loiros e número 8 nas costas chamava a atenção. Semelhante a um anjo quando estava no ar e dono de técnica exuberante, Leivinha encantava os palmeirenses. A cabeça, que causou tanto sofrimento aos goleiros adversários, pensava de maneira única, como apenas os craques são capazes. Gols, dribles, toques de primeira e assistências que se eternizaram nos corações palestrinos.

O começo de uma das mais belas histórias do clube alviverde foi escrito há 45 anos. Naquele 14 de março de 1971, em Campinas-SP, o meia-direita se apresentava aos palmeirenses e mostrava que não seria apenas mais um no time de Leão, Luís Pereira, Dudu, Ademir da Guia e César Maluco. Com apenas 17 minutos em campo, balançou as redes do Guarani na goleada por 4 a 0, no Brinco de Ouro. O garoto de 22 anos, que já havia conquistado a colônia portuguesa, agora causava euforia também na italiana.

Ao todo, Leivinha marcou 106 gols e disputou 263 partidas durante os quatro anos e meio em que esteve no Palmeiras. Bicampeão nacional (1972 e 1973) e estadual (1972 e 1974), não foi parado nem mesmo por ameaças de morte feitas por um corintiano. Entretanto, foi impedido de ir ainda mais longe por diversos problemas físicos, abandonado os gramados precocemente, aos 29 anos.

À Revista Palmeiras (edição de março e que, como de costume, será distribuída aos sócios-torcedores Avanti), o ídolo relembrou os principais fatos de sua trajetória pelo time alviverde, a disputa da Copa do Mundo de 1974 e a idolatria obtida também no Atlético de Madrid, da Espanha. Uma carreira que poucos têm a capacidade de construir, mas que muitos fazem questão de lembrar.

Revista Palmeiras: Você chegou ainda jovem, aos 22 anos, quando o Palmeiras já era uma das principais potências do Brasil. Ficou com algum tipo de receio em deixar a Portuguesa?

Leivinha: A Portuguesa foi quem me deu a oportunidade aos 17 anos, quando estava no Linense. Eu comecei aos 15 anos, praticamente não passei pelas equipes de base. Eu era muito amigo do Candinho, e ele trabalhava na TV do Brás, que era do Domingos Ianacone (Minguinho), então diretor do Palmeiras. Ele sempre me falava que qualquer dia me levaria para o Palmeiras. Depois de pouco mais de quatro anos na Portuguesa, fui para o Palmeiras. Não foi algo que me pegou de surpresa.

RP: E como foi seu início pelo Verdão?

L: Eu não cheguei para ser titular. Naquela época, Héctor Silva se entendia muito bem com Edu Bala e César Maluco em campo. Então, acabei jogando pouco no começo. Quando comecei a atuar com mais frequência, não saí mais.

RP: Quando você chegou ao Palmeiras, nomes como Ademir da Guia, Dudu e César Maluco já estavam consolidados como ídolos. Como você foi recebido por eles?

L: Fui muito bem recebido por todos. Embora os três estivessem na outra Academia, eles ainda eram novos naquela época. Foi tudo bem tranquilo. Formamos uma equipe muito bem entrosada.

RP: Com 106 gols, você é 13º maior artilheiro da história do Palmeiras, mesmo não sendo centroavante. Qual função era previamente definida para você cumprirem campo?

Divulgação_Leivinha exibe pôster da época em que vestiu a camisa do Verdão

L: No começo, eu era um jogador que prezava mais pela assistência. Mas me lembro que meu pai falou para mim: “Olha, o negócio é o seguinte. Você tem de fazer gol. No jornal sai quem fez o gol, não quem deu o passe”. Foi aí que comecei a ir mais ao ataque. Em uma época no Palmeiras, César foi suspenso e Oswaldo Brandão me colocou como centroavante. Acabei desandando a fazer gols.

RP: O auge de sua carreira foi sob comando do Brandão, entre 1972 e 1974. Como era sua relação com ele?

L: Ele era um paizão, mas também era duro quando necessário. Tínhamos tanta amizade que ele foi até mesmo padrinho de meu casamento. Ele sempre foi um cara muito bom, às vezes meio rude, mas que dava muita confiança aos atletas jovens. Apesar de ter trabalhado com Luis Aragonés, Wilson Francisco Alves, Rubens Minelli e Dino Sani, o Brandão, para mim, foi o melhor.

RP: Você fez parte da equipe de 1972, que registrou 49 vitórias, 26 empates e apenas cinco derrotas nos 80 jogos disputados no ano. Dentro de campo, vocês percebiam que estavam fazendo história?

L: Aquela foi a melhor fase do Palmeiras. Ganhamos todos os torneios que disputamos (Brasileiro, Paulista, Torneio Mar Del Plata, Taça Laudo Natel e Taça dos Invictos). A equipe começou a ser formada em 1971 e, em 1972, os frutos foram colhidos. Jogávamos muito em função de Ademir, então raramente goleávamos. Ele dava um ritmo mais cadenciado ao time, estava em todos os setores do campo. Quando fazíamos um ou dois gols, começávamos a tocar e o outro time não via mais a bola.

RP: Qual a grande virtude daquela equipe?

L: O grande mérito do Brandão foi mesclar características no time. Na defesa, tínhamos um zagueiro extremamente técnico (Luís Pereira) e um marcador implacável (Alfredo). No meio, um que carregava o piano (Dudu) e outro que dominava a bola (Ademir da Guia). No ataque, um técnico (eu) e um rompedor (César). Nas laterais, um que cruzava como ninguém (Eurico) e outro marcador (Zeca).

RP: Qual título foi mais difícil de conquistar: Brasileiro de 1972, Brasileiro de 1973 ou Paulista de 1974?

L: O mais importante foi o de 1974. O Corinthians não conquistava um título há muito tempo (desde 1954) e, naquela ocasião, a imprensa ficou toda a favor do time deles. Talvez pelo próprio futebol, já que o Palmeiras estava acostumado a ser campeão e o Corinthians não ganhava nada. Fomos ao Morumbi e, se perdêssemos esse jogo, tudo bem. Quando chegamos lá, 80% da torcida era deles. Mas todos se esqueceram de um detalhe: o nosso time era melhor. E deram tanta responsabilidade aos atletas deles que a gente via que os caras estavam tremendo. Voltando ao Palestra Itália após o jogo, vimos a torcida deles queimando bandeiras do Corinthians. Foi uma loucura.

RP: Você foi peça fundamental no título de 1974, dando assistência para o Ronaldo anotar o gol do título. É verdade que foi ameaçado antes do jogo?

L: Recebi uma carta, muito mal redigida, aliás, dizendo que eu morreria se fizesse um gol. Avisei aos dirigentes do Palmeiras e eles designaram dois seguranças para ficar comigo. Eles me acompanhavam quando saía de casa para treinar e depois me traziam de volta. Depois do título, achei que isso melhoraria. Mas eles me levaram até Lins, junto com minha esposa, porque não sabiam o que poderia acontecer.

Divulgação_Time palmeirense de 1972 era repleto de craques

RP: Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir; Edu, Leivinha, César e Nei. O que passa pela sua cabeça quando ouve essa escalação?

L: Na verdade, a ficha só cai depois que paramos de jogar e conversamos com os torcedores. Mesmo quem não é palmeirense se lembra dessa escalação inteira. Aí que eu reflito: “Poxa, esse time era muito bom”. Quando citam a formação histórica do Santos, com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, raramente falam da defesa. Mas, na nossa equipe, lembram de todo mundo. Sem dúvidas, tenho ótimas memórias quando ouço esses nomes. Tanto que somos amigos até hoje.

RP: E tem alguma história curiosa desse time, algo que o torcedor gostaria de saber e pouca gente sabe?

L: Houve uma época em que nosso time sempre tomava o primeiro gol. Preocupado com isso, Brandão falou que, se acontecesse de novo, era para o César ir buscar a bola no gol do Leão e ir tranquilo até o meio-campo, querendo acalmar o time. Tomamos o primeiro gol e César foi andando tão devagar, mas tão devagar, que acabou expulso. Quando perguntaram o porquê fez isso, ele só falou: “Vocês têm de falar com o Brandão. Foi ordem do homem”.

RP: Apesar de ter sido bicampeão brasileiro (1972 e 1973), o Palmeiras não teve seu elenco muito aproveitado na Copa do Mundo de 1974, com Ademir, César e Alfredo sendo preteridos pelo Zagallo. Acha que mereciam mais oportunidades?

L: Eu fui titular nos três primeiros jogos, mas acabei sofrendo uma lesão contra o Zaire e fiquei fora do restante do torneio. César perdeu a posição, enquanto Ademir às vezes não ficava nem no banco e entrou apenas na decisão de terceiro lugar, contra a Polônia. Olha que absurdo. Leão e Luís Pereira também eram titulares, mas Alfredo foi outro pouco aproveitado.

RP: Após deixarem o Palmeiras, você e Luís Pereira se consolidaram como ídolos no Atlético de Madrid, mesmo em uma época que não era comum a idolatria de brasileiros no futebol espanhol. Como você lidou com isso na época?

L: Sempre tive vontade de jogar na Espanha, tenho o sobrenome espanhol e sempre dizia ao meu avô, que veio de lá, que ainda atuaria por um clube de lá. Após o Ramón de Carranza de 1975, eles decidiram levar eu e o Luís Pereira. Meu primeiro jogo foi em casa, contra o Salamanca, e fiz três gols. Foi a única vez na vida em que fiz três gols. Aí foi uma loucura, abriu as portas para ter sucesso lá. Estava em um time cheio de sul-americanos, com paraguaio, argentino e brasileiros.

RP: Quando estava pelo Atlético, você chegou a disputar um amistoso contra a Seleção Brasileira, em 21 de abril de 1978. Como foi isso para você?

L: Esse jogo foi logo depois de ter me recuperado de uma lesão.  Era despedida de Luis Aragonés e ele resolveu chamar o Brasil para ser o adversário, no Vicente Calderón. Foi muito estranho jogar contra a Seleção, até mesmo porque meu marcador era Zé Maria, meu ex-companheiro de Portuguesa. No fim, acabamos derrotados por 3 a 0.

RP: Qual sua relação com o Atlético de Madrid hoje em dia?

L: Toda vez que vou à Espanha sou muito bem recebido. Torcedores que não me viram atuar me perguntam coisas que eu fico espantado, detalhes de alguns jogos marcantes que tive. É um conhecimento que passa de pai para filho.

RP: Você parou jovem, aos 29 anos. Acha que, se não fosse pelo acúmulo de problemas físicos, talvez tivesse tido uma carreira mais longa?

L: Sem dúvidas, poderia seguir até, pelo menos, os 35 anos. Depois disso, eu nem teria mais vontade de jogar. Queria ir para o futebol dos Estados Unidos e me aposentar por lá no começo da década de 80. Se fosse hoje, com o avanço da medicina, talvez tivesse conseguido prolongar a minha carreira, mas cada um em sua época. Pelo menos tive a oportunidade de atuar profissionalmente durante 14 anos.

 Substituto do Rei e vaias em frente à rainha da Inglaterra

Leivinha substituiu Pelé em amistosoEm 1º de novembro de 1968, durante excursão pelo Brasil, a rainha britânica Elizabeth II foi ao Maracanã para acompanhar o duelo entre as seleções paulista e carioca. O então garoto Leivinha, ainda pela Portuguesa, recebeu a responsabilidade de entrar no lugar de Pelé, principal estrela do confronto, que terminou com vitória por 3 a 2 dos atletas de São Paulo. E a recepção da substituição não foi nada boa nas arquibancadas.

“Rapaz, aquele dia eu tomei uma vaia tão grande. Estava chovendo e o Pelé precisava sair antes para trocar de roupa para falar com a rainha. Eu entrei no lugar dele e fui muito vaiado. Eu ainda estava na Portuguesa, não era muito conhecido. Para mim, estava tudo ótimo. Entrei no lugar do Rei”, relembrou, aos risos.

 

 O gol mal anulado em 1971

Antes de ser bicampeão nacional em 1972 e 1973, o Palmeiras decidiu o título do Campeonato Paulista de 1971 contra o São Paulo, no Morumbi. Em desvantagem na pontuação, a equipe alviverde precisava de uma vitória para ser campeã. Entretanto, um erro do árbitro Armando Marques eliminou qualquer possibilidade de conquista alviverde. 

Aos cinco minutos de jogo, Toninho Guerreiro abriu o placar para o time adversário, que jogava por um empate. Melhor tecnicamente, o Palmeiras chegou ao gol de empate aos 22 minutos do segundo tempo, em linda cabeçada de Leivinha. O árbitro, porém, alegou que o camisa 8 completou a finalização com a mão direita, anulando erroneamente o gol palestrino. Com os atletas nervosos em campo após a falha, a equipe alviverde cessou a reação e acabou derrotada.

“Estávamos em cima do time deles, e a tendência era de que empatássemos. Aí teve aquele famoso lance e o árbitro anulou o gol. Se você parar para pensar, não tinha nem condição de colocar a mão naquela bola. Teria de ser uma porrada muito forte para ir com aquela força”, explicou Leivinha. 

Leivinha teve gol anulado na final do Paulistão 1971Na temporada seguinte, o Palmeiras comprovou que era o melhor time do futebol paulista e assegurou o título estadual em um ano quase perfeito, em que registrou 49 vitórias, 26 empates e apenas cinco derrotas nos 80 jogos disputados. E, em 1973, em um encontro entre Armando Marques e o próprio Leivinha, o árbitro reconheceu o erro na final de 1971.

“Armando Marques queria sempre ser a atração do jogo, chamava todos os atletas pelo nome completo. Em 1973, ele foi acompanhar a Seleção Brasileira em uma excursão e, quando estávamos na Itália, veio falar comigo. Até então, nunca tínhamos conversado depois de 1971. Mas um dia, na hora do jantar, ele sentou ao meu lado e veio me pedir desculpa, admitindo que errou. Eu aceitei, falei que reconhecer o erro é uma virtude”, encerrou.

FICHA TÉCNICA

Nome: João Leiva Campos Filho
Nascimento: 11/09/1949
Naturalidade: Novo Horizonte/SP
Período: 1971 a 1975
Clube anterior: Portuguesa-SP
Posição: Meia
Jogos: 263 (156 vitórias, 78 empates e 29 derrotas)
Gols: 106

Estreia: Palmeiras 4×0 Guarani (14/03/1971)
Primeiro gol: Palmeiras 4×0 Guarani (14/03/1971)
Último gol: Palmeiras 3×1 Fluminense (24/08/1975)
Último jogo: Palmeiras 3×1 Real Madrid-ESP (31/08/1975)
Principais títulos: Campeonato Paulista (1972 e 1974) e Campeonato Brasileiro (1972 e 1973)