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Duas lembranças vêm de imediato à cabeça de Osvaldo Héctor Cruz quando ele pensa nos dez meses em que defendeu o Palmeiras. A primeira é o passe preciso que recebeu de Julinho Botelho para fazer um dos gols palestrinos na goleada sobre o Fortaleza por 8 a 2, resultado que rendeu ao clube o primeiro título brasileiro de sua história, no dia 28 de dezembro de 1960. A segunda é o perfume enjoativo que o lateral Djalma Santos, seu companheiro de quarto na concentração, utilizava em excesso antes e depois dos jogos. “Eu falava: ‘Djalma, pelo amor de Deus, assim você vai me matar sufocado’. O cheiro era fortíssimo”, brinca o argentino de 89 anos.

Cruz é o único titular vivo do time que, há seis décadas, conquistou a segunda edição da Taça Brasil. Realizada em sistema de mata-mata, a competição foi criada em 1959 pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD, atual CBF) para definir a melhor equipe do país e, assim, indicar o representante nacional na Copa Libertadores da América.

Cruz com a camisa alviverde e a faixa de campeão brasileiro de 1960 (Acervo Pessoal)

“Fico triste que os meus companheiros de 1960 já tenham falecido. Havia jogadores muito mais jovens do que eu. Formávamos um grande time e uma grande família. Sinto falta de todos eles”, lamenta o ex-ponta-esquerda, que disputou 39 jogos e fez 11 gols pelo Verdão, dois deles na decisão contra o Fortaleza.

O Palmeiras disputou a Taça Brasil de 1960 graças ao título paulista obtido no ano anterior, com vitória sobre o Santos de Pelé na final. Ao todo, participaram 17 clubes campeões estaduais, divididos inicialmente em grupos regionais: Nordeste, Norte, Leste e Sul.

Responsável pela organização do torneio, a CBD determinou que as equipes finalistas do Campeonato Brasileiro de Seleções garantiriam ao representante de seu estado o direito de entrar diretamente na semifinal. Como as seleções paulista e pernambucana decidiram o troféu, Palmeiras e Santa Cruz não jogaram as primeiras fases.

Para avançar à decisão, o Alviverde eliminou o Fluminense, que deixara Cruzeiro e Grêmio pelo caminho. Após empate sem gols no jogo de ida, em São Paulo, o time comandado pelo técnico Oswaldo Brandão derrotou o campeão carioca por 1 a 0, em pleno Maracanã. O gol salvador, de Humberto Tozzi, saiu aos 44 do segundo tempo.

Água na fervura

Palmeiras é o campeão do Brasil, ressaltou A Gazeta Esportiva (Acervo Histórico/Palmeiras)

O adversário na final foi o Fortaleza, que não perdia como mandante no Estádio Presidente Vargas havia dois anos. Cruz não se esquece do calor que sentiu tão logo desceu do avião na capital cearense.

“Fazia 40 graus na sombra, era terrível. E não falo isso porque sou de um país frio. O Djalma também suava sem parar”, relembra.

Em campo, contudo, o visitantes logo esfriaram o ímpeto dos donos da casa. Com dois gols de Romeiro e outro de Humberto, o Verdão fez 3 a 0 em apenas 19 minutos de bola rolando. Nem o gol de honra anotado por Benedito abalou a confiança da equipe esmeraldina, que precisava de um simples empate no confronto de volta, no Pacaembu, para assegurar o seu primeiro título nacional.

Os 40 mil palmeirenses presentes no estádio tomaram um susto quando, aos seis, Charuto abriu o placar para o Fortaleza. A reação, porém, foi avassaladora e, aos 21, o Palmeiras já ganhava por 4 a 1. O placar final de 8 a 2 (11 a 3 na soma dos dois jogos) expressou a enorme superioridade palestrina sobre o aguerrido adversário.

“Nosso time era excelente. Muitos falam de Djalma e Julinho, que foram realmente craques, mas creio que as pessoas deveriam saber mais sobre jogadores como Chinesinho. Ele foi um dos melhores com quem atuei”, afirma Cruz, autor de dois gols na finalíssima.

Volta por cima

Cruz (em pé, à direita) atuou pela seleção argentina na Copa de 1958

O troféu teve sabor especial para o ponta-esquerda, que chegara ao Alviverde em um momento delicado da carreira. Campeão sul-americano em 1955 e 1957 com a seleção argentina, ele sonhava em conquistar a Copa de 1958, na Suécia. Mas a participação da Albiceleste foi um fiasco. Derrotas para Alemanha Ocidental (3 a 1) e Tchecoslováquia (6 a 1) eliminaram a equipe na fase de grupos.

“Foi algo que me doeu muito porque tínhamos convicção de que cumpriríamos um bom papel. Por isso, digo que ser campeão do Brasil, país que havia acabado de ganhar o Mundial, me ajudou a superar aquela tristeza”, afirma. “O Palmeiras é um clube que sempre estará no meu coração. É o meu segundo time, somente atrás do Independiente-ARG, onde joguei por mais de dez anos.”

No início de 1961, Cruz retornou ao clube portenho, para onde levou o técnico Brandão, que decidira deixar o Palmeiras logo após a Taça Brasil. Em 1962, o rápido atacante se transferiu para o Unión Española-CHI e pendurou as chuteiras aos 36 anos.

Em 2000, Cruz trocou o agito de Buenos Aires pela tranquilidade de La Plata, distante 60 km da capital. Lá, vive com a esposa Alicia, de 83 anos, e tem a companhia frequente dos seis netos e 13 bisnetos. “São 11 no campo e ainda sobram dois no banco”, diz, entre risos.

Da vitoriosa passagem pelo Palestra, restaram, além das lembranças, uma máquina de lavar comprada em São Paulo (“incrível como ela ainda funciona bem”), uma camisa do Palmeiras (“está guardada junto com os uniformes do Independiente”) e um Periquito de ouro dado pelo clube a cada um dos campeões brasileiros de 1960.

Quando lhe pergunto se poderia me enviar uma foto segurando o tradicional mascote, Cruz mostra bom humor: “Não sei onde ele está; faz tempo que não o vejo. Pode ser que esteja voando por aí”.

Os heróis da Taça Brasil de 1960 – Em pé – Djalma Santos, Valdir, Carabina, Aldemar, Zequinha e Jorge. Agachados – Julinho, Humberto, Romeiro, Chinesinho e Cruz (Acervo Histórico)

Campeonato Brasileiro de 1960 (Taça Brasil)

Julinho, autor de um dos gols da final de 1960, desfila com o troféu no gramado do Pacaembu (Acervo Histórico)

Palmeiras 8 × 2 Fortaleza – Final (segundo jogo)
Estádio: Pacaembu, em São Paulo (SP)
Árbitro: Ricardo Bonadies (CE)
Público: 40.000 pessoas

Palmeiras: Valdir; Djalma Santos, Valdemar Carabina, Aldemar e Jorge; Zequinha e Chinesinho; Julinho Botelho, Romeiro, Humberto e Cruz. Técnico: Oswaldo Brandão.

Fortaleza: Pedrinho; Mesquita e Sanatiel; Toinho, Sapenha e Ninoso; Benedito, Walter Vieira, Moésio, Charuto e Bececê. Técnico: França.

Gols: Charuto aos 6, Zequinha aos 8, Chinesinho aos 10, Romeiro aos 12, Julinho Botelho aos 21 e Charuto aos 44 do 1º tempo; Cruz aos 8 e aos 11, Chinesinho aos 24 e Humberto aos 32 do 2º tempo 

Jornal Diário da Noite destaca a façanha alcançada há 60 anos pelo Verdão (Acervo Histórico)

Todos os títulos nacionais do Verdão

1960 – Taça Brasil
1967 – Taça Brasil e Robertão
1969 – Robertão
1972 – Campeonato Brasileiro
1973 – Campeonato Brasileiro
1993 – Campeonato Brasileiro
1994 – Campeonato Brasileiro
1998 – Copa do Brasil
2000 – Copa dos Campeões
2012 – Copa do Brasil
2015 – Copa do Brasil
2016 – Campeonato Brasileiro
2018 – Campeonato Brasileiro