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Em 5 de novembro de 1933, a Sociedade Esportiva Palmeiras aplicou a maior goleada da história no time que mais vezes enfrentou ao longo de sua existência: o Corinthians. O então Palestra Italia goleou o arquirrival por nada menos que 8 a 0 – resultado mais elástico do clássico e maior derrota da equipe alvinegra em todos os tempos. A glória, porém, é por mais do que o placar repleto de gols. O episódio também sintetiza a posição de destaque do clube no início da era profissional do futebol brasileiro.

1917: Nasce a rivalidade entre Palestra e Corinthians

A rivalidade entre Palestra Italia e Corinthians surge logo no primeiro confronto entre as duas equipes. O Palestra, fundado em 1914, era um clube que dava seus primeiros passos no futebol. Já o Corinthians, de 1910, era protagonista em competições oficiais – pela Liga Paulista de Futebol (LPF), por exemplo, o Alvinegro já havia levantado dois canecos (1914 e 1916). Mas, mesmo somando um total de 25 jogos de invencibilidade por competições oficiais, o Corinthians, de Amilcar e Neco, não intimidou o Palestra. Foi no dia 6 de maio de 1917 que o time esmeraldino quebrou o tabu do rival, derrotando-o por 3 a 0 – todos os gols da partida foram marcados pelo ponta-direita Caetano Izzo, que ficou marcado como o primeiro carrasco da história do clássico.

1933: Início da Era Profissional

A era profissional no futebol brasileiro teve início, oficialmente, em 1933. Antes disso, porém, o futebol brasileiro vivia a fase do “falso amadorismo”. O profissionalismo já existia, no entanto, os atletas disfarçavam suas condições de profissionais e recebiam quantias por fora.

Não era por acaso que a condição de profissional dentro do futebol era disfarçada, mesmo porque os primeiros indícios de jogadores assalariados vêm do futebol operário. A alta sociedade brasileira, que tinha forte influência sobre as principais ligas de futebol até o início do século XX, não aceitava que costumes oriundos do futebol operário começassem a interferir no esporte bretão. Atraídas por rendas de bilheteria, as ligas de futebol foram cedendo espaço aos clubes que eram prestigiados por um público modesto (composto em sua maioria por operários e imigrantes). Para os mais pobres (a maioria da população), torcer funcionava como uma espécie de “calmante” para amenizar um sentimento de desigualdade social. Já a elite, ainda inconformada com o fato de ter que dividir o esporte com agremiações não-burguesas, foi deixando o futebol de lado, pois já não tinham a mesma força de antes. Em 1929, por exemplo, o C.A. Paulistano encerrou suas atividades no departamento de futebol. Não demorou muito e outros clubes também foram desaparecendo no futebol. A Associação Atlética das Palmeiras e o E.C. Germania (atual Pinheiros) são outros exemplos.

Na Argentina, no início dos anos 30, o profissionalismo já estava sendo implantando, enquanto na Europa os clubes já desfrutavam deste estilo de conduta havia muito mais tempo. Em 1933, portanto, o Brasil assumiu a condição de profissionalismo no futebol e os atletas passaram a ter seus direitos protegidos por sindicatos desportivos.

Palestra Italia em 1933

Divulgação _ Em pé: Junqueira, Volpini, Carnera, Tunga e Canbon. Sentados: Avelino, Gabardo, Nascimento (g), Romeu Pellicciari, Carrazo e Imparato III

Campeão paulista em 1932 com 100% de aproveitamento (o último estadual da era amadora), o Palestra Italia continuava a demonstrar sua força no cenário esportivo em 1933 – primeiro ano da era profissional para o futebol.

Aquele foi um dos anos mais áureos para o Palestra Italia, a começar pela inauguração do Stadium Palestra Italia – à época, o mais moderno da cidade. O Campeonato Paulista, naquela oportunidade, foi disputado simultaneamente com o Torneio Rio-São Paulo. Isso acontecia quando clubes do mesmo estado se enfrentavam pela competição local e, então, o resultado da partida também iria interferir na competição interestadual (que naquele período tinha o peso de um campeonato brasileiro, pois as maiores forças do futebol nacional concentravam-se em São Paulo e no Rio de Janeiro).

Durante a temporada de 1933, o time esmeraldino acumulou 34 partidas, das quais venceu 26, empatou 5 e perdeu apenas 3. Além disso, naquele ano, o ataque palestrino balançou as redes adversárias 113 vezes.

Em partidas válidas apenas por competições oficiais (Paulistão e Rio-São Paulo), o Palestra acumulou diversas goleadas, entre as quais: 5 a 1 no Corinthians, 5 a 1 no Syrio-SP, 4 a 1 no Fluminense-RJ, 6 a 0 no Bangu-RJ, 4 a 3 no Santos-SP, 5 a 0 no Ypiranga-SP e nova goleada sobre o Syrio-SP, por 5 a 0. Ainda houve mais duas: um 4 a 0 no América-RJ, na derradeira partida do Torneio Rio-São Paulo, e, antes desta, a mais emblemática, que aconteceu há exatos 80 anos. Em 5 de novembro de 1933, o Palestra Italia goleava o Corinthians por 8 a 0.

Palestra Italia 8 x 0 Corinthians
[album]

O palco do espetáculo foi o Stadium Palestra Italia, que fora reinaugurado naquele mesmo ano e possuía instalações de última geração, além de uma moderna arquibancada de cimento armado. Era o cenário perfeito para um público que já estava acostumado a vivenciar momentos de glória.

O Palestra Italia já vinha de uma sequência positiva. Havia conquistado o título paulista de 1932 com 100% de aproveitamento e em 1933, goleou quase todos os adversários que havia enfrentado, inclusive, o próprio Corinthians, por 5 a 1, na primeira metade daquele ano. Mas foi no segundo embate entre Palestra e Corinthians que o time esmeraldino fez história.

A partida era válida pela penúltima rodada do Campeonato Paulista e também pelo Rio-São Paulo. O Palestra liderava a competição com tranquilidade, enquanto o Corinthians não vivia um grande momento. Ao final do certame, o clube chegaria apenas à 4ª colocação no Paulistão (que, naquela edição, contava com apenas 8 times). O Alvinegro até virou motivo de chacota por conta do seu fraco elenco.

Mesmo abalados com as frequentes derrotas da equipe alvinegra naquele 1933 – o rival já havia sido goleado pelo São Paulo da Floresta por 6 a 0 e pelo Santos também por 6 a 0 –, os torcedores do Corinthians não esperavam que aquele prélio que estava por vir deixaria uma mancha eternizada na história do clube, ainda maior que as outras goleadas. Foram os 8 a 0. O Palestra aplicava a maior goleada já vista no clássico até hoje, e o Corinthians sofria a maior derrota de sua história.

Divulgação _ Romeu (esq.) e Imparato (dir.)O grande destaque da partida foi, sem dúvidas, Romeu Pellicciari, que já havia brilhado no Paulistão do ano anterior. Naquele jogo, Romeu teve a oportunidade de balançar as redes do rival nada menos do que quatro vezes – foi o primeiro jogador a assinalar quatro tentos em um único jogo entre Palmeiras e Corinthians.

Outro palestrino que viu sua estrela brilhar foi Gino Imparato, que teve a oportunidade de marcar três vezes no clássico. O futebol já estava no sangue do palestrino. Gino tinha dois irmãos que também brilharam no futebol e que, inclusive, tiveram passagens pelo próprio Palestra Italia antes dele. Seus irmãos Ernesto e Caetano ficaram conhecidos como “Imparato I” e “Imparato II” respectivamente. Logo, Gino, ficou marcado como “Imparato III”.

A partida ficou marcada também pela maneira como Palestra Italia pressionou o rival. As jogadas mais características do embate foram as triangulações de Lara, Gabardo e Avelino, que sempre levavam perigo à defesa corintiana.

Divulgação_Romeu Pellicciari marcou quatro gols na goleada histórica sobre o Corinthians1º GOL
17' do 1ºT
Romeu Pellicciari

Imparato corre pela esquerda, perto da área, e lança bola alta para Romeu Pellicciari, que, perto da marca do pênalti, bate de primeira, de pé direito, enquanto o goleiro Onça (Corinthians) vem saindo do gol e cai para tentar fazer a defesa. A bola entra no canto esquerdo do arqueiro alvinegro.

2º GOL
29' do 1ºT
Romeu Pellicciari

Gol muito parecido com o primeiro. Mas, em vez de Imparato lançar bola alta, ele toca rasante para Romeu Pellicciari, que dá um carrinho para se esticar e balançar as redes rivais. Esse lance, porém, contou com falha do goleiro Onça, que caiu antes quando tentou interceptar o passe de Imparato a Romeu.

3º GOL
36' do 1ºT
Romeu Pellicciari

Linha média do Palestra Italia avança lado a lado (Tuffy, Dula e Tunga). A bola está com Dula, que dá passe de longa distância, rasteiro, no meio de dois marcadores. Romeu Pellicciari sai em disparada e consegue alcançar a pelota, carregando-a por alguns metros e batendo na saída do goleiro Onça, acertando o canto direito do goleiro. Neste gol, uma curiosidade: o meia Lara, ídolo histórico do Palestra, aparece gritando "Vai, Romeu!" no momento em que Romeu Pellicciari sai em disparada.

4º GOL
01' do 2ºT
Gabardo

Lara rouba a bola do corintiano Baianinho e sai do meio de campo em zigue-zague se livrando dos marcadores; ele consegue acionar perto da entrada da área Romeu Pellicciari, que domina, pensa e encontra Elísio Gabardo livre. Quando os marcadores se aproximam, Gabardo consegue finalizar com muita força. A bola toca a trave esquerda de Onça, que não consegue evitar o tento esmeraldino.

5º GOL
07' do 2ºT
Romeu Pellicciari

Dula dá belo lançamento à la Djalminha para Romeu Pellicciari, na medida. O atacante esmeraldino mata no peito, deixa a bola quicar no chão e chuta de pé direito, com força, estufando as redes. Gol no maior estilo clássico de um centroavante.

6º GOL
09' do 2ºT
Imparato

Tuffy passa a bola para Romeu Pellicciari – que, por sua vez, concede assistência a Imparato. O jogador, posicionado pela ponta esquerda, chuta "na carreira" e marca de canhota: a bola passa pelo canto direito do guarda-metas alvinegro.

7º GOL
35' do 2ºT
Imparato

Imparato avança pela ponta esquerda do campo e toca para Romeu Pellicciari, que dribla o zagueiro Nascimento, do Corinthians, e chuta rasteiro, com força: o goleiro Onça dá rebote, espalmando para o seu lado direio. Em seguida, Imparato vem na velocidade e fuzila a meta alvinegra, de pé esquerdo, marcando o sétimo tento palestrino no duelo.

8º GOL
40' do 2ºT
Imparato

Gol parecido com o anterior. Mas, dessa vez, a bola vem pelo lado direito, com Gabardo, que aciona Romeu Pellicciari centralizado. Romeu finaliza. Onça dá rebote e a bola sobra para o lado esquerdo; em seguida, Imparato, novamente, vem em velocidade, de encontro à bola. Neste lance, porém, o ponta-esquerda palestrino chuta de forma mais sutil e colocada em vez de usar a força, e fecha a contagem para o Palestra em 8 a 0.

Crise do rival após a goleada e bom momento do Palestra continua

Divulgação_Taça do tricampeonato paulista (esq.) e do Rio-São Paulo (dir.)Na semana seguinte ao clássico, revoltados, os torcedores corintianos atearam fogo nas dependências do clube. A diretoria do então presidente Alfredo Schürig (que dá nome ao Parque São Jorge) pediu demissão por conta do episódio, inclusive o próprio mandatário.

Já no Palestra Italia, as coisas pareciam estar cada dia melhor. O clube esmeraldino encerrou o certame com mais um título paulista garantido – o primeiro título estadual da era profissional – e chegou ao bicampeonato (no ano seguinte, o clube conquistaria mais um estadual e receberia uma taça comemorativa pelo tricampeonato 1932/33/34). De quebra, o Palestra ainda sagrou-se campeão do Torneio Rio-São Paulo, conhecido, à época, como Campeonato Brasileiro de Clubes (também o primeiro da era profissional).

E, para fechar com chave de ouro a temporada, o Palestra Italia brilhou também nas quadras de basquete ao faturar o Torneio Início do Campeonato Paulista, o tricampeonato paulista (1931/32/33) e o Torneio Rio São Paulo.

Ficha técnica 

Palestra Italia 8×0 Corinthians
Campeonato Paulista de 1933 (13ª rodada) e Torneio Rio-São Paulo de 1933 (18ª rodada)
05/11/1933
Estádio Palestra Italia. São Paulo-SP
Árbitro: Haroldo Dias da Mota (SP)
Palestra Italia: Nascimento; Carnera e Junqueira; Tunga, Dula e Tuffy; Avelino, Elísio Gabardo, Romeu Pelliciari, Lara e Gino Imparato. Técnico: Humberto Cabelli.
Corinthians: Onça; Rossi e Bazani (Nascimento); Jango, Brancário e Carlos; Carlinhos, Baianinho, Zuza, Chola e Gallet. Técnico: Pedro Mazzulo.
Gols: Romeu Pelliciari (17' do 1ºT-PAL), Romeu Pelliciari (29' do 1ºT-PAL), Romeu Pelliciari (36' do 1ºT-PAL), Elísio Gabardo (1' do 2ºT-PAL), Romeu Pelliciari (7' do 2ºT-PAL), Gino Imparato (9' do 2ºT-PAL), Gino Imparato (35' do 2ºT-PAL) e Gino Imparato (40' do do 2ºT-PAL).