Pré-jogo e a bandeira nacional

Em 20 de setembro de 1942, o Palmeiras entrou em campo carregando a bandeira do Brasil.

Após uma semana extremamente conturbada com o episódio da mudança de nome, o agora Palmeiras ainda teria de findar uma derradeira missão naquele ano. Durante todo o tempo que o time jogou com o nome de Palestra de São Paulo, realizou uma campanha um tanto quanto satisfatória no Campeonato Paulista: em 18 partidas, o time esmeraldino acumulou 16 vitórias e 2 empates, balançando as redes adversárias incríveis 61 vezes e sofrendo apenas 15 gols. Tal desempenho colocava o Palestra na liderança absoluta da competição.

Invicto até a reta final, o Palmeiras tinha mais duas partidas pela frente para encerrar sua participação no campeonato. Os dois próximos adversários seriam, respectivamente, o São Paulo e o Corinthians. E se o Palmeiras obtivesse apenas mais uma vitória em qualquer um dos dois jogos, nenhum outro time teria chances de ser campeão, pois não atingiria a quantidade necessária de pontos. Ou seja, se vencesse a equipe “sampaulina”, o Palmeiras já enfrentaria o Corinthians como campeão paulista, apenas para cumprir tabela.

A partida diante do time tricolor estava marcada para o dia 20 de setembro. O fato de disputar um jogo decisivo contra o São Paulo tinha um sabor especial para os palestrinos-palmeirenses, até porque aquela partida sintetizava a chance real de um resgate à memória do velho Palestra Italia.

Estavam equivocados aqueles palmeirenses que pensavam que tudo já estava resolvido e que o ambiente de harmonia iria pairar novamente a partir dali. Devido às raízes ligadas fortemente à Itália (país inimigo do Brasil na guerra), o Palmeiras tinha, automaticamente, sua imagem maculada por boa parte da imprensa contemporânea: era tachado de um clube “fascista” e inimigo da pátria.

Sem se deixar abalar, diretores, jogadores, membros da comissão técnica, torcedores e até mesmo simpatizantes do Palmeiras acompanharam atentamente o que a mídia paulistana publicava durante a semana que antecedia o clássico paulista. Todos sabiam o quanto seria difícil suportar a pressão que era feita sobre o Palmeiras e, mais do que isso, sabiam que seria mais difícil ainda reagir em uma reta final de campeonato diante daquela situação constrangedora. Entretanto, àquela altura, toda nação palmeirense já estava preparada para qualquer tipo de surpresa que pudesse acontecer.

Em pé: Oberdan, Echevarrieta, Begliomini, Junqueira, Viladoniga, Waldemar Fiume, Zezé Procópio, Og Moreira, Del Nero, Lima, Claudio, Clodô; Agachados: Claudio Cardoso e Del Debbio

Em 20 de setembro de 1942, o grande dia havia chegado. O estádio do Pacaembu, inaugurado dois anos antes pelo Palestra, seria outra vez o palco de mais um episódio glorioso da história do Palmeiras, time que já possuía umas das maiores torcidas da capital. A euforia tomava conta da cidade nos momentos que antecediam a partida.

Naquela tarde, milhares de pessoas lotaram o Pacaembu e, como já era de se esperar, a torcida antipalmeirense que estava concentrada em grande número já ensaiava uma impiedosa vaia para executá-la assim que o Alviverde surgisse no gramado. Ao perceberem a maneira com que seriam recebidos em campo, o time alviverde (intimidado) nada poderia fazer a não ser entrar de cabeça baixa e submeter-se às vaias, que, naquele momento, iriam arder na alma palestrina mais do que qualquer tipo de calúnia, injuria ou difamação. Foi exatamente neste momento que o capitão Adalberto Mendes entrou em cena de maneira mais enfática. Como sugestão, deixou a brilhante idéia de que, quando o time fosse entrar em campo, entrasse carregando uma bandeira do Brasil. Além disso, o próprio militar ainda se habilitou a entrar junto com os jogadores, como linha de frente, “emprestando” a força do fardamento militar e a autoridade de oficial do exército brasileiro para impor respeito diante da torcida. Naquele instante, aquela ideia foi a maior luz que a Sociedade Esportiva Palmeiras poderia ter, até porque ninguém ousaria vaiar um time que estava sendo representado por um capitão do exército e entrava em campo com a bandeira nacional.

“Estávamos às vésperas de um jogo decisivo contra o São Paulo Futebol Clube, a equipe do Dr. Paulo Machado de Carvalho. Boatos diziam que haveria um clima de muita hostilidade por parte da torcida para com nossos jogadores, que realmente estavam preocupados. Percebi isso e notei também que nosso treinador, Del Debbio, tinha em mãos uma bandeira brasileira. Eu sabia que a exibição do pavilhão nacional só era permitida em eventos internacionais, mas chamei a responsabilidade para mim e orientei nossos atletas a entrarem, ao meu lado, carregando-o e o exibindo à toda a torcida que superlotava o estádio do Pacaembu. Após alguns segundos de surpresa por parte de todos, fomos muito aplaudidos e nenhum ato hostil nos foi desferido”, lembrou o próprio Adalberto Mendes, em depoimento concedido ao conselheiro Luiz Carlos Granieri, em 1982.

Ao adentrar desta maneira nos gramados do Pacaembu, o Palmeiras finalmente conquistou a confiança dos torcedores. Com isso, ao início da partida, todo o sentimento de apreensão que o time alviverde carregava foi para bem longe do estádio.