Mazzola se despedia do Parque Antártica há exatamente 55 anos

Agência Palmeiras
Departamento de História
Bruno Alexandre Elias

A fase do time não era das melhores, e José João Altafini (*Piracicaba, 24 de julho de 1938) poderia ter sido apenas um jogador com passagem ofuscada pelo Palmeiras. A qualidade técnica do jovem centroavante, no entanto, sobressaiu. Foi no Verdão que Mazzola, como era conhecido no Palestra, projetou-se para o mundo. O desempenho vestindo a camisa verde e branca o levou às seleções Paulista e Brasileira (nesta última, o craque sagrou-se campeão da Copa do Mundo da Suécia). E no dia 16 de abril de 1958, já ídolo no Brasil, ele se despediu para virar lenda na Itália.

CA Piracicabano

Tudo começou em Piracicaba. Aos 12 anos de idade, Altafini já integrava o quadro juvenil do tradicional time de sua cidade, o Clube Atlético Piracicabano. Simultaneamente, o garoto se dedicava ao aprendizado de outra profissão: estudou mecânica automobilística e chegou a trabalhar na área, mas abandonou o emprego para se dedicar ao futebol. Após três anos atuando como juvenil no Piracicabano, o jogador foi promovido e passou a fazer parte do grupo principal da agremiação.

Chegada ao Palmeiras

Em 1955, aos 17 anos, Mazzola –que ainda não atendia pelo apelido–, deixou o Piracicabano e chegou ao Palmeiras por intermédio do conterrâneo Idílio Gianetti, um palmeirense dos mais fervorosos. Gianetti apresentou o garoto promissor ao então treinador das categorias de base alviverde, Alfredo González. O técnico era um velho conhecido da torcida palmeirense, pois nos anos 40 havia envergado a camisa do Verdão. Além de artilheiro nos tempos de jogador, o argentino González também se destacou como treinador. Ele já era experiente quando assumiu as categorias inferiores do Palmeiras –havia treinado o Sporting de Lisboa (durante duas temporadas) e o Bangu-RJ (time que revelaria ainda naquela década ninguém menos que Ademir da Guia). Mais tarde, em 1968, González assumiria o comando no time profissional do Palmeiras, durante o desfecho da saída do técnico Mario Travaglini em plena Libertadores. Com toda convicção, típica de quem entende de futebol, Alfredo González se interessou pelo garoto de Piracicaba e indicou à diretoria a contratação do jogador.

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Helio Burini, Tito, Fernando, Faustino (todos com 18 anos) e Mazzola (17 anos)

Foi no Palmeiras que o craque piracicabano recebeu dos companheiros de time o apelido de Mazzola, devido a uma suposta semelhança física com o jogador italiano Valentino Mazzola. Nos anos 80, em entrevista para uma famosa revista brasileira, o ídolo contou em detalhes o episódio do apelido: “Quando eu jogava ainda no juvenil do Palmeiras, nos treinos contra os profissionais, o professor Claudio Cardoso (do time principal) nunca se lembrava do meu nome. Em vez de Altafini, me chamava de Alfredinho (fazendo referência a Alfredo González). Um belo dia, porém, cismou que eu era parecido com Valentino Mazzola, do Torino (…) O que poucos sabem é que, na várzea de Piracicaba, meu apelido era Cuíca”, disse Mazzola, em tom bem humorado.

Inicialmente, Mazzola integrava o time aspirante (juvenil) do Palmeiras atuando com abundância em duas posições: meia-esquerda e ponta-esquerda (armador). Em pouco tempo, porém, o craque passaria jogar como centroavante.

Ganhando Espaço

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Jogadores conversam com os técnicos Aymoré Moreira (de preto)
e Alfredo Gonzalez (de terno, ao centro) e o presidente Mario Beni (último da direita)

Durante o ano de 1955, Mazzola atuou apenas pelos aspirantes. Já em 1956, aos 16 anos, o jogador teve sua primeira chance no time profissional. Com o advento da “nova safra” de atletas juvenis que subiam para a equipe profissional, Mazzola teve a oportunidade de mostrar um pouco de suas habilidades no time de cima. Em seu primeiro jogo como profissional (um amistoso diante do Catanduva), o Palmeiras não obteve êxito, perdendo de 4 a 2. No entanto, os dois gols marcados pelo Palmeiras saíram dos pés do estreante. Apesar da derrota, a tendência era que os juvenis prosseguissem no time principal até que adquirissem entrosamento. Este, pelo menos, era o plano de Aymoré Moreira (então treinador do Palmeiras). Mais do que dar a oportunidade para os jogadores mais jovens, Aymoré pretendia também dispensar alguns medalhões do time que estavam em decadência.

Em 1956, o Palmeiras passava por um período de transformação. O então presidente Mario Beni foi adepto à ideia do treinador Aymoré Moreira no quesito renovação. Os cartolas já estavam preparando os jogadores aspirantes para substituírem algumas estrelas como Jair da Rosa Pinto, Liminha e Rodrigues, além de Humberto Tozzi, que havia acertado contrato com um time da Itália. Para que se compreenda esta mudança tão radical por parte da diretoria e da comissão técnica, é válido lembrar que o Palmeiras não conquistava títulos desde 1952 (à época, aquele era o maior jejum enfrentado em toda história alviverde). No entanto, algumas peças fundamentais continuaram no time com o propósito de não deixar o elenco ficar instável ou sem liderança. Waldemar Fiúme e Valdemar Carabina são exemplos destes jogadores que continuaram com suas vagas garantidas na equipe.

Titular

Desde sua estreia no elenco principal, Mazzola tornou-se uma peça intocável. No começo, o jogador piracicabano encontrou dificuldades para provar seus valores, pois nem sempre o Verdão acumulava resultados positivos –a imprensa não acreditava em Mazzola e criticava fortemente o treinador Aymoré Moreira por insistir no jogador. No entanto, a deficiência estava no elenco do Palmeiras como um todo, e não em Mazzola. Além disso, o novo estilo de jogo adotado pelo Alviverde era uma aposta. Para ponderar a situação, Aymoré Moreira (sabendo do tesouro que tinha em mãos) insistiu em Mazzola e o manteve intocável, mas mudou sua posição. De meia-armador, o jogador passou a ser escalado como centroavante. Para Aymoré, o estilo oportunista e driblador de Mazzola poderia surtir efeitos mais dinâmicos no ataque.

Comandando sua equipe em grandes goleadas –ora balançando as redes, ora dando assistências –, Mazzola provou que havia nascido para o futebol e assumiu uma posição de liderança. Ao longo dos anos que atuou pelo Verdão, o craque protagonizou partidas memoráveis. O clássico entre Palmeiras e Santos (1958), por exemplo, sintetiza bem a emoção dos jogos de futebol na “Era Mazzola”. Imagine um jogo em que o seu time sai na frente, toma virada para 2 a 1, empata, mas termina o primeiro tempo perdendo de goleada, por 5 a 2. Aí, no segundo tempo, aplica uma virada fantástica para 6 a 5. Este era o espírito de jogo quando o Palmeiras tinha Mazzola em campo. Nesta partida, porém, uma “fatalidade” não permitiu que o Verdão saísse vitorioso: na reta final do clássico, o goleiro Edgar se contundiu, e o novato Vitor assumiu o arco palmeirense, tomando dois gols de Pepe nos minutos finais da partida.

As boas atuações em campo fizeram de Mazzola o amuleto do time palmeirense, o salvador da pátria. Este status de herói lhe rendeu convocações para a Seleção Paulista e a Seleção Brasileira em um período muito importante (às vésperas da Copa do Mundo).

Seleção Paulista

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Mazzola foi campeão brasileiro pela Seleção Paulista em 56

Antes de 1959, ano em que surgiu o primeiro Campeonato Brasileiro de clubes (que levava o nome de Taça Brasil), existia o Campeonato Brasileiro de Seleções. Os principais jogadores de cada região eram convocados pela federação local para formarem uma equipe: Seleção Paulista, Seleção Paranaense, Seleção Carioca, Seleção Gaúcha etc. Estes combinados, como eram chamados, deveriam se enfrentar em caráter eliminatório até que surgisse o time campeão brasileiro. À época, este tipo de competição tinha a importância do Campeonato Brasileiro atual.

Em ascendência no Palmeiras, Mazzola teve oportunidade de integrar a Seleção Paulista, sendo convocado para jogar o Campeonato Brasileiro de 1956 (que terminou somente em 1957). Naquele período, o atleta, que disputava o Campeonato Brasileiro de Seleções, poderia se considerar privilegiado. Alem de servir à Seleção Paulista (tão cobiçada por todo e qualquer jogador que atuava em São Paulo), Mazzola também teve a felicidade de sagrar-se campeão da competição.

Seleção Brasileira

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Mazzola foi campeão mundial pela Seleção Brasileira em 58

Com estupendas participações no Palmeiras e na Seleção Paulista, foi inevitável que Mazzola chegasse à Seleção Brasileira. Em junho de 1957 (exatamente um ano antes da Copa do Mundo), pela primeira vez Mazzola foi convocado pelo técnico Sylvio Pirillo para atuar no time canarinho ao lado de craques máximos como Didi, Garrincha e Pelé (que receberia sua primeira convocação para a Seleção Brasileira na partida seguinte à estreia de Mazzola). No debute do palmeirense, diante da Seleção de Portugal, o Brasil venceu por 3 a 0. Zito abriu o placar e, em seguida, Mazzola fez um gol de peixinho e ainda deu o passe para Del Vecchio fechar o placar. Daí em diante, Mazzola foi titular da Seleção Brasileira e embarcou para a Copa do Mundo da Suécia na mesma condição.

O piracicabano, no entanto, perdeu a posição de titular da Seleção em pleno Mundial. Na ocasião, o treinador já não era mais Sylvio Pirillo, e sim Vicente Feola. O técnico Feola, à época, acusou Mazzola de “jogar pelo Brasil com a cabeça na Itália”, fazendo referencia aos rumores que já surgiam de uma possível transferência do craque brasileiro para o futebol europeu. No lugar de Mazzola, Vicente Feola escalou Vavá (que futuramente defenderia o Palmeiras). Se o treinador da Seleção sentiu mesmo ou não que Mazzola fazia corpo mole, isso nunca foi esclarecido, porém o fato é que a Copa do Mundo de 1958 foi vencida pelo Brasil de Pelé, Gilmar, Garrincha e de Mazzola também, até porque o primeiro gol da Seleção Brasileira naquele Mundial saiu dos pés do palmeirense.

Despedida

A última partida de Mazzola com a camisa do Palmeiras aconteceu poucos meses antes da Copa do Mundo. Apesar de disputar o Mundial ainda pertencendo ao Palmeiras, tanto Mazzola quanto os dirigentes do clube já sabiam que ele não voltaria mais a atuar no Verdão após a competição. Ainda em território sueco, o jogador foi procurado por dirigentes do Milan-ITA para fechar contrato, mas o Palmeiras já havia praticamente acertado o valor da venda com a Roma-ITA. Começou, então, um verdadeiro leilão entre os clubes. Os milaneses deram o lance mais alto: 30 milhões de cruzeiros, uma fortuna na época.

O derradeiro jogo do craque com a camisa do Verdão aconteceu no dia 16 de abril de 1958. Foi em um amistoso contra o Jabaquara-SP que o jovem ídolo se despediu do clube que tanto amou. O embate aconteceu na Vila Belmiro, e quem brilhou foi o companheiro de time Paulinho, que marcou incríveis quatro gols na vitória do Verdão de 4 a 3.

No ano seguinte à saída de Mazzola, o Palmeiras passou por um novo processo de reformulação no qual novamente o presidente Mário Beni foi ousado. Para pôr fim ao jejum de títulos que já durava quase sete anos, o Palmeiras tomou medidas radicais. Com a fortuna que o clube ganhou com a venda de Mazzola, aliado ao fato de ter Oswaldo Brandão como técnico recém-contratado, Beni decidiu abrir os cofres, com muita cautela e planejamento. A confiança da diretoria alviverde no mestre Oswaldo Brandão era muita.

Brandão foi zagueiro do Palmeiras nos anos 40 e, devido a uma séria lesão na perna, foi obrigado a pendurar as chuteiras cedo. Pouco tempo após o término de sua carreira como jogador, Brandão voltou ao futebol como técnico e conquistou seu primeiro título como treinador já em 1947, comandando o Verdão na conquista do Campeonato Paulista. A partir dali, Brandão começou a se destacar e passou por vários clubes antes de retornar ao Palestra Itália em 1958 com a missão de reformular o elenco e montar um time campeão.

Com total apoio da diretoria, o treinador elaborou uma lista de jogadores que seriam de seu interesse. Chinesinho, Julio Botelho, Romeiro e o volante Zequinha foram alguns nomes que vieram graças à venda de Mazzola. Cogita-se também que Valdir (goleiro) e Geraldo Scotto foram outros jogadores comprados com parte da venda de Mazzola. Foi neste exato momento da história do Palmeiras que começou a ganhar forma aquele esquadrão lembrado até os dias atuais pelo nome de “A Primeira Academia”.

Mazzola, por sua vez, passou a chamar a atenção no Milan. Em sua primeira temporada, marcou 28 gols e se sagrou campeão italiano. Daí pra frente, vários títulos começaram a aparecer na carreira do craque. Chegando à Europa com apenas 20 anos de idade, Mazzola teve fôlego de sobra para colecionar troféus na Itália, virando Ídolo no Milan, na Juventus e no Napoli e, além de tudo, naturalizou-se cidadão italiano e disputou a Copa do Mundo de 1962 pela seleção local. Na Itália, Mazzola foi mais que herói, foi Deus. Em 459 partidas que jogou lá, marcou 216 gols –é o terceiro maior artilheiro da história da Serie A do Campeonato Italiano, ao lado de Giuseppe Meazza. Deteve por décadas o recorde de gols em uma única edição de Liga dos Campeões (13), até Lionel Messi superá-lo, na edição de 2011-12, com 14 gols marcados.

Mazzola pendurou as chuteiras em 1980, atuando pelo Mendrisio-Stabio, da Suiça. E mesmo tendo jogado tão pouco no time principal do Palmeiras, o sangue palestrino jamais deixou de ferver nas veias do piracicabano. A prova veio em 2008, quando Mazzola foi o convidado especial do programa Bem Amigos, do SporTV. O apresentador Galvão Bueno fez a seguinte pergunta: “Altafini, você jogou no Juventus, Milan, Napoli e foi ídolo em todos esses clubes. Afinal por qual desses times o seu coração balança?”. A resposta veio de bate-pronto: “Galvão, mãe e time de futebol a gente só tem um. Sou Palmeiras”.

Curiosidades:

* Mazzola foi um dos dois únicos jogadores a marcar cinco gols no estádio Palestra Italia em uma única partida: 9 de junho de 1957, na vitória por 5 a 2 sobre o Noroeste, válida pelo Campeonato Paulista. O outro foi Heitor, maior artilheiro da história do Palmeiras em todos os tempos, que marcou 5 gols no Palestra Italia em duas oportunidades e 6 gols em outras duas.

* Ao chegar à Europa, Mazzola teve que adotar seu sobrenome, Altafini. Isso porque Sandro Mazzola, filho de Valentino Mazzola (de quem Altafini herdou o apelido pela sua semelhança física), estava em atividade na Itália –à época, ele defendia a Inter de Milão.

* Mazzola enfrentou o Palmeiras duas vezes quando atuava no futebol italiano, ambas em amistosos. A primeira foi em 1º de julho de 1962, no empate por 4 a 4 diante do Milan, no Pacaembu –Altafini abriu o placar na oportunidade. Já a segunda foi em 3 de julho de 1975, com o craque já veterano, na vitória alviverde por 2 a 0, também no Pacaembu.

Ficha Técnica:

Nome: Joao José Altafini
Nascimento: 24/07/1938, em Piracicaba (SP)
Clubes: Clube Atlético Piracicabano (1956), Palmeiras (1956 a 1958), Milan-ITA (1958 a 1969), Juventus-ITA (1969 a 1973), Napoli-ITA (1973 a 1976), Chiasso-SUI (1976 a 1979) e Mendrisio-Stabio-SUI (1979 a 1980).
Títulos: Campeão mundial pela Seleção Brasileira (1958), campeão italiano pelo Milan (1959, 1962 e 1968) e pela Juventus (1973), campeão da Recopa Europeia pelo Milan (1968) e campeão da Champions League pelo Milan (1969).

Números pelo Palmeiras:

Jogos: 114
Vitórias: 47
Empates: 26
Derrotas: 41
Gols: 85