Primeiro gol de Heitor, maior artilheiro palmeirense, completa 100 anos
Departamento de Comunicação
Há exatos 100 anos, o grande goleador da história alviverde marcara seu primeiro de muitos gols com a camisa do Palestra Italia. Em 3 de dezembro de 1916, Ettore Marcelino Domingues, o Heitor, marcou um dos tentos da vitória por 4 a 1 sobre a extinta Associação Atlética das Palmeiras, pelo Campeonato Paulista. O Verdão não teve bom desempenho na competição daquele ano, mas mostrou ao futebol brasileiro o surgimento do maior artilheiro do clube até hoje, com 327 gols marcados em 358 partidas – média impressionante de 0,91 gol por jogo.
Paulistano nascido no Brás, Heitor iniciou sua carreira futebolística no Sport Clube Americano, em 1916 – ano de estreia do Palestra Italia no Campeonato Paulista –, e, em seguida, migrou para o Alviverde. A contratação do jovem atacante de origem italiana e impecável finalização representou ao Verdão a esperança de integrar o grupo dos grandes times da cidade. Sua estreia ocorreu no empate sem gols contra o Guarani, em 12 de novembro do mesmo ano.
A partir de 1917, o atacante palestrino, sem imaginar a ascensão meteórica de sua carreira, tornou-se uma verdadeira máquina de fazer gols. Após ganhar reforços, como Picagli e Martinelli, e manter parte do elenco de 1916, com Heitor, Bianco Gambini, Caetano, Ministro e Flosi, o time recebeu a alcunha de “Esquadrão de Ferro” devido à disciplina e força em campo. Apelidado pelo jornal ítalo-brasileiro da época La Settimana de Fanfulla de “time dos italianinhos”, o Verdão teve como méritos naquele início de ano a conquista da Taça Comendador Caetano Pepe diante do forte Paulistano, por 3 a 2, e a goleada por 3 a 0 sobre o Corinthians, que ostentava o posto de grande invicto da capital paulista.
A temporada de 1917 também marcou a estreia de Heitor nas Seleções Paulista e Brasileira. A segunda convocação foi muito curiosa, visto que sua participação na Canarinho foi fortemente requisitada pela APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos) e pelo povo. Em 13 de maio daquele ano, sobre o Barracas da Argentina, marcou um dos gols na vitória por 2 a 1 e se tornou o primeiro jogador do Palestra Italia e o mais jovem (com 18 anos) a marcar pelo Brasil.
Em 1919, Heitor, ao lado de grandes nomes do futebol paulista, fez parte do time-base da Seleção Brasileira na disputa do Torneio Sul-Americano – competição que serviu de embrião para a criação Copa América anos mais tarde. O trio de ataque era esplendoroso: o atleta alviverde atuara ao lado de Arthur Friedenreich, do Paulistano, e de Neco, do Corinthians. Foi autor de um gol na competição e fez parte da jogada do histórico 1 a 0 diante do Uruguai, no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, que marcou a primeira conquista grandiosa de título da Canarinho.
A equipe palestrina, popular entre os paulistanos, consolidou sua força em 1920. Além da conquista do Campeonato Paulista pela primeira vez em sua história, o Verdão viu o atacante marcar o primeiro gol do clube como proprietário do Parque Antárctica, na vitória por 7 a 0 diante do Mackenzie, em 16 de maio. Ainda naquele ano, no dia 8 de agosto, o Palestra Italia venceu o Internacional da Capital por sonoros 11 a 0 e obteve outro recorde com Heitor: com seis tentos no certame, o centroavante se tornou o maior goleador alviverde em uma mesma partida – marca existente até os dias atuais. O resultado é também a maior goleada do Palmeiras até hoje em competições oficiais.
Heitor não cansava de estabelecer marcas históricas no Palestra Italia. Em 1922, além de conquistar o bicampeonato sul-americano pela Canarinho, também fez parte do primeiro confronto internacional do Alviverde, na vitória sobre a seleção paraguaia por 4 a 1 (marcou dois gols) e conquista da Taça Guarani. Já em 1925, o atleta alviverde viajou com o time para Montevidéu e sofreu revés para o Uruguai, por 3 a 2, na primeira excursão ao exterior da história do clube.
Em 1926, no grande “ano paulista” para o Palestra Italia, o clube conquistou de forma invicta o Paulistão, com nove vitórias em nove jogos – na última rodada, vitória sobre o Sílex por 7 a 1, no Palestra, com quatro tentos de Heitor. Dos 33 gols marcados no torneio, o atacante foi autor de 14 e se consagrou artilheiro absoluto do campeonato. Ainda sobrou tempo para o Verdão conquistar o Paulista Extra, com quatro triunfos em quatro duelos.
Heitor manteve o faro de gol ativo em 1927. Nas conquistas do Torneio Início e do bicampeonato paulista, o atleta anotou 34 gols em 23 jogos na temporada – média de 1,47 gol por partida. A campanha palestrina no Paulistão daquele ano teve números invejáveis: foram 14 vitórias em 16 jogos, além de 89 tentos marcados e apenas 22 sofridos. A peleja decisiva ocorreu em 4 de março de 1928, na Vila Belmiro, e o Palestra saiu vitorioso diante do Santos por 3 a 2. Heitor acabou na vice-artilharia da competição, com 25 gols.
Nos anos seguintes, fatos isolados marcaram a carreira do maior artilheiro da história do Palestra Italia/Palmeiras. Em um jogo do Campeonato Paulista de 1929, diante do Corinthians, o zagueiro alvinegro Del Debbio acertou um chute no rosto de Heitor, que teve de sair da partida e deixou o elenco alviverde inconformado, pois os jogadores tiveram de continuar o duelo com um a menos em campo. O atacante endereçou carta ao jornal “A Gazeta Esportiva” e fez referências à atitude do árbitro daquela partida, Antônio Villas Boas.
“O Palestra Italia – e o Sr. Villas Boas não pode ignorar – nunca lançou mão de recursos para justificar ou mesmo atenuar as derrotas quando merecidas e fruto da superioridade do adversário. A sua conduta – título de honra para nós –, sempre foi a mais disciplinada, a mais fidalga e a mais limpa possível, e a melhor prova é dada pelo meu “particular amigo”, o qual não obstante ter sido autor de um esbulho lamentável, declara não ter havido reclamação alguma de jogadores, quanto a sua atuação. Errar é humano, diz o Sr. Villas Boas. De acordo. Mas o diabo que os seus erros somente atingiram o meu querido clube”, dizia um dos trechos da publicação do atacante sobre o erro do juiz.
Heitor ainda se frustrou por não ter sido convocado pela Seleção Brasileira à Copa do Mundo de 1930 – a primeira da história da Canarinho – por conta de desentendimento entre a APEA e a Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Ainda teve tempo de faturar seu segundo Torneio Início ainda no mesmo ano, e sua despedida veio em dezembro de 1931, no vice-paulista diante do São Paulo da Floresta após 15 anos defendendo as cores palestrinas. O último gol da lenda palestrina aconteceu dias antes, em 29 de novembro, na goleada por 6 a 1 sobre o Ypiranga.
Artilheiro “multiatleta” e campeão em outras modalidades esportivas
A vida de Heitor não se resumia somente aos espetáculos dentro de campo. Após ser tricampeão do Paulistão, o artilheiro obteve destaque também na disputa dos campeonatos de bola ao cesto (atual basquete) defendendo as cores alviverdes e foi bicampeão paulista em 1928 e 1929 – foi colega de Oscar Américo Paolillo, um dos grandes ídolos da história do Palmeiras na modalidade.
E ele não parou por aí. O multiatleta ainda integrou as equipes de atletismo, tênis de mesa e vôlei do clube, e, mesmo sem nenhum título expressivo nestas modalidades, participava ativamente das modalidades amadoras, conquistando a admiração e idolatria de muitos pela sua dedicação.
Após o sucesso nas quatro linhas, surge a carreira histórica de árbitro de futebol
Ainda durante seus 15 anos de Palmeiras, Heitor se arriscou a arbitrar algumas partidas de futebol. Naquela época, era comum as agremiações esportivas indicarem representantes de seus plantéis para exercerem a função – no caso de São Paulo, o regimento era feito pela APEA. Além do atacante, Feitiço, Bianco e Friedenreich foram outros que trabalharam como juízes do Campeonato Paulista.
Seu debute na função ocorreu em 24 de abril de 1921, no empate em 2 a 2 entre Ypiranga e Minas Geraes. A calmaria de sobra de sua estreia faltou em sua segunda partida como árbitro, na vitória do Corinthians sobre a Associação Atlética das Palmeiras por 1 a 0. Revoltados com a não marcação de um pênalti, os torcedores derrotados invadiram o gramado para cobrar satisfação de Heitor, que evitou os exaltados e saiu de campo. Naquele ano, o palestrino apitou sete jogos do Paulistão.
Já em 1923, sua aparição foi mais discreta. O atacante apitou apenas um duelo, em 27 de maio, no empate por 1 a 1 entre Santos e Minas Geraes. Seu contato com a arbitragem foi retomado somente 11 anos depois, em 1934, três anos após sua aposentadoria dos gramados.
O faro de recordes também fez parte da nova função: Heitor apitou a final do Paulistão (Corinthians 0 x 2 Santos, no Parque São Jorge) e do Brasileiro de Seleções (Sel. Paulista 1 x 2 Sel. Carioca, nas Laranjeiras) de 1935. Também arbitrou o primeiro jogo da história do São Paulo Futebol Clube, em 25 de janeiro de 1936, na vitória por 3 a 2 diante da Portuguesa Santista.
Heitor ainda fez parte da arbitragem da inauguração do estádio do Pacaembu, em 1940, no histórico 6 a 2 entre Palestra Italia e Coritiba, e da reinauguração do estádio Conde Rodolfo Crespi (Rua Javari), casa do Juventus da Mooca, em 1941 – o duelo da reestreia terminou em 3 a 1 para o Corinthians sobre o Moleque Travesso. Ao todo, o já ex-atacante palestrino apitou 74 partidas na carreira de juiz – somadas as partidas do Paulista, do Brasileiro de Seleções e do Torneio Rio-São Paulo de 1940 –, que teve duração até 1942.
Outras curiosidades
– A maior vítima dos gols de Heitor na história foi o extinto Internacional de São Paulo, que sofreu 29 gols do artilheiro em 19 duelos. Já entre os grandes paulistas, o Santos é o clube que foi mais vazado pelo atacante, com 17 tentos.
– Sem sombra de dúvidas, o maior palco dos gols de Heitor foi o Palestra Italia. No estádio palestrino, foram 161 gols marcados em 151 duelos – quase a metade do total de tentos anotados pelo atleta na história (327).