Neto do autor do 1º gol do Palmeiras com o nome atual preserva foto original da Arrancada Heroica
Departamento de Comunicação
O Palmeiras comemora nesta terça-feira (20) os 80 anos da Arrancada Heroica, episódio em que o clube, obrigado a deixar de ser Palestra devido a referência à Itália, adversária do Brasil na Segunda Guerra Mundial, entrou em campo pela primeira vez com o novo nome e saiu campeão ao superar o rival São Paulo. Desde então, a imagem do elenco palmeirense adentrando o gramado do Pacaembu com a bandeira brasileira é a que eternizou a tarde de 20 de setembro de 1942 e, inclusive, inspirou o verso “Quando surge o Alviverde Imponente” do hino da agremiação.
Porém, uma foto original daquele dia segue preservada mesmo oito décadas depois. E justamente com a família do autor do primeiro gol daquela vitória por 3 a 1, portanto, o primeiro gol do Palmeiras com o nome atual: Cláudio Christovam de Pinho. Curioso que o ex-atacante, nascido há 100 anos, em 1922, e falecido em 2000, aos 77 anos, guardou a raridade alviverde mesmo depois tendo feito carreira no Corinthians, clube que defendeu por 13 temporadas e do qual é o maior artilheiro da história, com 305 gols.
A imagem mostra o elenco do Verdão em um ângulo diferente, sugerindo que o time não apenas entrou em campo com a bandeira como desfilou com ela para todo o estádio: em vez da saída do túnel dos vestiários, os jogadores aparecem próximos da linha do meio-campo; atrás deles, está a arquibancada central, não a que ficava atrás da linha de fundo.
“Meu avô sempre me contava que eles deram uma volta olímpica depois de entrarem no estádio com a bandeira do Brasil naquele dia. Não foi apenas a entrada em campo, mas também houve uma volta olímpica exibindo essa bandeira, e os jogadores foram aplaudidos pela torcida no Pacaembu”, conta Guto Britto, de 52 anos, neto de Cláudio.
Outra diferença na fotografia guardada pela família do ex-jogador é a ausência de Adalberto Mendes. “Provavelmente o capitão, no momento dessa foto especificamente, já estivesse alguns passos adiante em relação ao time, em um ângulo onde não poderia ser fotografado, provavelmente atrás da câmera”, supõe Guto.
Sergipano e ex-diretor do Vasco, o capitão Adalberto Mendes foi designado a servir ao Exército em São Paulo na época da mudança de nome. Simpatizante do Verdão e próximo de membros da diretoria palestrina, o militar tomou para si as dores do Palestra, utilizando sua influência para brecar investidas injustas contra o clube, constantemente perseguido por sua ligação com a Itália. Não fosse ele, possivelmente, o Palestra teria sido punido, perderia seus bens ou até mesmo teria sido extinto em algum momento entre março e setembro de 1942.
A ideia de entrar em campo no dia 20 de setembro de 1942 com a bandeira do Brasil foi do próprio capitão, que fez questão de conduzir os jogadores do Palmeiras naquele dia. O que se viu, então, foi o clima de hostilidade no estádio se transformar em aplausos. Afinal, graças à presença do capitão e da bandeira, quem estivesse vaiando o Palmeiras estaria, automaticamente, vaiando o Brasil, algo inimaginável em tempos de guerra e patriotismo exacerbado.
Aquele Choque-Rei não era uma final, pois o Campeonato Paulista era disputado em sistema de pontos corridos. Porém, faltavam apenas duas rodadas para o fim da competição, e o Palmeiras, ocupando a liderança e tendo como principal concorrente o próprio São Paulo, já garantiria o título matematicamente em caso de vitória. O Verdão estava invicto no torneio. Em 18 partidas até então, todas com o nome de Palestra de São Paulo, adotado em março daquele ano, o time acumulou 16 vitórias e dois empates no Paulista, balançando as redes adversárias incríveis 61 vezes e sofrendo apenas 15 gols.
Cláudio estreou pelo clube exatamente na última partida com o nome de Palestra Italia, em 04 de março de 1942, contra a Portuguesa, no Parque Antarctica. Já em seu jogo seguinte, no dia 14, o time estreou como Palestra de São Paulo no empate por 1 a 1 com o São Paulo, no Pacaembu, pelo Torneio Quinela de Ouro. “Meu avô, inclusive, sempre enfatizava que era palestrino, pois havia jogado no time ainda na época do Palestra”, relembrou Guto. Ao lado de Del Nero e Og Moreira, Cláudio é um dos jogadores que mais atuaram nos seis meses de Palestra de São Paulo – foram 27 das 31 partidas, sendo 20 vitórias.
A primeira bola na rede do Palmeiras com o nome atual aconteceu aos 19 minutos do primeiro tempo daquele 20 de setembro de 1942. Waldemar Fiume recebeu passe de Og Moreira e alçou a bola na área. O zagueiro são-paulino Silva cortou o cruzamento de cabeça, mas Cláudio aproveitou o rebote e, de primeira, estufou as redes tricolores. “Sobre o fato de ele ter feito o primeiro gol, ele me contava que a ficha só caiu após o jogo. Quando o Palmeiras ganhou, já se sabia que era o primeiro jogo do clube com o novo nome. E para ele foi uma sensação muito boa. Ao mesmo tempo que ele fazia parte de um time que praticamente estava renascendo naquele momento, ele também foi autor do primeiro gol desse time. Ele tinha consciência que entrou para a história do Palmeiras por ter feito o primeiro gol”, diz Guto.
Nostálgico, Guto rememora os relatos de seu avô, com quem conviveu por 30 anos, e destaca o carinho que Cláudio nutria pelo Palmeiras até o fim de sua vida. “Ele faleceu em 2000 e eu nasci em 1969. Fui o neto mais próximo dele. Apesar de ter disputado apenas a temporada de 1942 no Verdão, foi muito marcante porque foi o clube onde ele conquistou o primeiro título de sua carreira”, destaca.
Revelado no Santos, onde atuou profissionalmente de 1940 a 1941, Cláudio se transferiu para o Palestra em março de 1942, aos 20 anos. Depois, após um rápido retorno ao Santos, defendeu o Corinthians e encerrou a carreira no São Paulo, tornando-se o primeiro jogador da história a defender os quatro clubes de São Paulo – além dele, apenas outros cinco atletas repetiram o feito: Neto, Antônio Carlos Zago, Cesar Sampaio, Müller e Luizão.
O ex-atacante também carrega a marca de ser o recordista em número de gols na história do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, inaugurado em 1940 pelo próprio Verdão: somando os tentos no local pelos quatro clubes em que atuou, ele acumula 202 bolas na rede, à frente de Baltazar, segundo da lista com 161.
O neto Guto Britto guarda também em um cantinho destinado exclusivamente ao Palmeiras em sua casa, dentre tantos outros itens, a medalha de campeão paulista de 1942. Um artefato de grande valor histórico e sentimental para a família. “Essa medalha é muito importante para nós porque ele guardava com carinho especial. Foi recebida pelos jogadores após o título, entregue pela diretoria do Palmeiras. Foi uma das premiações de recordação daquele momento, assim como a faixa de campeão, pela conquista do primeiro título com o novo nome. As medalhas eram personalizadas para cada jogador que fez parte daquela campanha. Tanto que, no verso dela, está o nome dele: Cláudio, campeão paulista de 1942”, descreve, orgulhoso.
Imagem famosa é uma pintura
Por muitos anos, a imagem do elenco entrando em campo era a única em que era possível ver a bandeira do Brasil nas mãos dos atletas palmeirenses. No entanto, apesar de ser um registro histórico fidedigno, trata-se de uma pintura de óleo sobre tela reproduzida por um artista inspirado em uma fotografia que se perdeu com o tempo e jamais foi vista pelos atuais historiadores do clube.
“O autor daquela tela foi um funcionário do Palmeiras que trabalhava nos anos 80 como letrista e que também era artista plástico nas horas vagas, pois tinha como hobby a arte da pintura. Então ele reproduziu aquela imagem histórica, mas em cores primárias. Depois, com o advento da internet, alguém aplicou um efeito alaranjado na imagem dessa tela pintada, que acabou se espalhando. E essa ficou sendo a imagem preferida para ilustrar a maior parte dos artigos quando lemos algo relacionado àquele episódio até os dias atuais”, explicou Bruno Elias, um dos integrantes da equipe de pesquisadores e historiadores da Sociedade Esportiva Palmeiras.
Sobre o paradeiro da fotografia utilizada como base pelo artista, Bruno ainda complementou: “Pelo que se sabe, essa foto original ficava na sala de troféus, mas na época ainda não existia um departamento que cuidasse profissionalmente da preservação e conservação de itens históricos como estes e, então, a foto estava se deteriorando. Por isso ele fez a pintura, para que este registro visual não se perdesse com o tempo. A foto original, poucos tiveram acesso e não sabemos que fim levou.”
O funcionário em questão citado por Bruno é Francisco Panes Lucas, que trabalhou no Alviverde até o fim dos anos 80. Panes Lucas não sabia, mas estava deixando um legado que deu luz a um momento histórico do Verdão, e que, não fosse por ele, quiçá, teria ficado somente na memória de quem teve a oportunidade de vê-la. Francisco Panes Lucas trabalhou no Verdão até o dia em que morreu, ao sofrer um mal súbito.
> Saiba mais sobre a Arrancada Heroica e o processo de mudança de nome do clube no hotsite especial.