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Foto publicada em 1933 mostra Adelaide com o distintivo do Palestra bordado no vestido (Acervo Histórico/Palmeiras)

O coordenador do Acervo Histórico e Memória do Palmeiras, Miro Moraes, fazia uma pesquisa na hemeroteca da Biblioteca Nacional quando uma foto chamou a sua atenção. Publicada na edição de 27 de julho de 1933 do jornal “Diário do Abax’o Piques”, a imagem mostra uma senhora negra com chapéu de palha, cachimbo de cano longo na boca e distintivo do Palestra Italia bordado no vestido claro. O periódico, que deixaria de circular ainda naquele ano, refere-se a ela como “Vovó do Pito, a maior palestrina do país”.

“Fiquei curioso em descobrir quem era aquela torcedora e busquei, em diferentes fontes, todo o material que é possível encontrar sobre ela”, conta Miro. O resultado dessa investigação jogou luz sobre a incrível trajetória daquela que, provavelmente, foi a primeira torcedora-símbolo da história alviverde.

Vovó do Pito era o apelido de Adelaide Antônia das Dores. Nascida em Sorocaba no dia 10 de dezembro de 1822, cresceu em uma fazenda onde ela, os pais e os dois irmãos foram escravizados. Ainda jovem, adquiriu a alforria e se mudou para São Paulo, onde inicialmente viveu no Brás, distrito comercial do Centro. Casou-se aos 20 anos e teve dois filhos.

Seu marido, quatro anos mais velho, foi enviado à Guerra do Paraguai (1864-1870) e morreu em combate. Para garantir o próprio sustento, Adelaide trabalhou para famílias da elite. Cozinheira de mão cheia, tinha como especialidade o pirão de leite, ensopado de origem angolana feito à base de farinha de mandioca.

Personagem importante da emergente São Paulo do início do século XX, a Vovó do Pito virou obra de arte pelas mãos de um pintor belga (Acervo Histórico/Palmeiras)

Segundo o jornal “Correio Paulistano”, ela era “uma pessoa adorável, sendo estimada por toda a sociedade paulistana, principalmente entre a classe acadêmica, em particular os alunos de direito da Faculdade do Largo do São Francisco, onde sua figura estava sempre presente nas festas organizadas pelo grêmio estudantil”.

A amizade com os estudantes lhe foi valiosa em 1924, quando eclodiu em São Paulo a Revolta Paulista. Comandado pelo general reformado Isidoro Dias Lopes, o levante tinha como principal objetivo a deposição do presidente Artur Bernardes (1922-1926).

Simpática aos ideais de Isidoro, que defendia a implementação da Justiça gratuita e do ensino público obrigatório, entre outras medidas progressistas, Vovó do Pito, então com 102 anos, chegou a ser detida. Não ficou mais do que algumas horas na delegacia, contudo, porque os alunos da “Sanfran”, muitos deles oriundos de famílias influentes, mobilizaram-se pela soltura da velhinha.

Era uma personagem tão conhecida na emergente metrópole da década de 1920 que o pintor belga Adrien Henri Vital van Emelen (1868-1943), recém-chegado ao Brasil, retratou Adelaide em duas telas: “Negra com chapéu e cachimbo” e “Negra rezando com terço”.

Uma das telas de Van Emelen mostra Adelaide com seu inseparável cachimbo de cano longo (Acervo Histórico/Palmeiras)

Chefe da torcida

Vovó do Pito tinha 91 anos quando o Palestra Italia foi fundado, em 1914. De acordo com o “Correio Paulistano”, era uma “amante do futebol” e “devotava grande apego ao clube”, do qual se declarava “extremada partidária, não faltando jamais às suas partidas”.

Mais do que isso, ela participava de caravanas como chefe da torcida e tinha trânsito livre com a diretoria alviverde. Segundo o “Diário do Abax’o Piques”, após uma derrota para o América-RJ pelo Torneio Rio-São Paulo de 1933, Adelaide propôs ao presidente palestrino Dante Delmanto (1932-1934) a retirada de “nove elementos do quadro, de vários reservas, do treinador (Humberto Cabelli) e do roupeiro”. Estava tão aborrecida que se ofereceu para atuar na zaga, no lugar do ídolo Junqueira.

“O Dr. Delmanto, em brilhante improviso, aceitou o gentil oferecimento, acrescentando que Vovó, apesar da idade (110 anos), que é apenas pouco maior que a de Friedenreich, pode ainda muito fazer pelo clube; ao menos 15 minutos de jogo duro ela pode perfeitamente suportar”, relata o periódico.

Adelaide viveu seus últimos anos em um quarto nos fundos da Padaria Central, que se localizava na Avenida São João. Sempre que alguém lhe dava dinheiro, fazia questão de repartir o pão com pessoas em situação de rua. Morreu no dia 21 de novembro de 1934, aos 111 anos, dois meses depois de ver o time do coração conquistar o único tricampeonato paulista de sua história.

Compareceram ao enterro, no Cemitério do Araçá, amigos, estudantes, jornalistas e, claro, associados do Palestra Italia.

Parque Antarctica lotado em jogo do Palestra Italia em 1920 (Acervo Histórico/Palmeiras)