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O vice-presidente José Eduardo Luz Caliari com familiares do maestro (Foto: Fabio Menotti/Palmeiras)

Quando surgir a Sala de Troféus do Alviverde Imponente, a torcida que canta e vibra terá a oportunidade de ver uma relíquia conservada com carinho por um palestrino que soube ser brasileiro. A atual gestão do Palmeiras acaba de adquirir o piano no qual o maestro Antônio Sergi compôs o hino do clube, em 1949. O instrumento foi obtido por iniciativa do 4º vice-presidente palmeirense, José Eduardo Luz Caliari.

“Esse piano estava praticamente dentro de casa e eu não sabia”, brinca Caliari. “Sou muito amigo da família da Letícia, esposa do Gustavo (Sergi), mas só descobri recentemente que ele é neto do maestro. Alguns meses atrás, a Letícia me contou que, por uma questão de espaço, os herdeiros do músico teriam de disponibilizar o instrumento. Conversei com o presidente (Maurício) Galiotte, que autorizou a aquisição”, conta.

Produzido pela Fábrica de Pianos Brasil, que funcionou entre as décadas de 1920 e 1970 em São Paulo, o instrumento tem 88 teclas de marfim. Em ótimo estado de conservação, será uma das atrações da Sala de Troféus, com inauguração prevista para o fim deste mês, no Allianz Parque.

“A família do maestro, a despeito do apreço pelo piano, entendeu que o destino dele deveria ser o Palmeiras. Daqui a 100 anos, a nossa torcida continuará cantando o hino do clube, e o piano estará no memorial para mostrar onde foi feita a música do nosso querido hino”, projeta Caliari.

Transformando a lealdade em padrão

Nascido em Squillace, no Sul da Itália, Antônio Sergi chegou a São Paulo nos anos 1920. Apelidado de Totó, fez sucesso ao trabalhar na direção artística de algumas das principais rádios da cidade, como a Educadora Paulista, que daria origem à Rádio Gazeta. Era uma figura tão respeitada no cenário cultural paulistano da primeira metade do século XX que constantemente o contratavam para animar eventos da alta sociedade, entre eles os bailes no casarão da família Matarazzo, na Avenida Paulista.

Criador da Orquestra Columbia e regente-compositor da Orquestra Ítalo-Brasileira, dedicou-se ainda à cardiologia após se formar na prestigiada Escola Paulista de Medicina. Poderia ter se graduado também em engenharia tamanho era o seu conhecimento sobre matemática.

“Meu avô era um gênio”, exalta a engenheira Priscylla Sergi Dias, neta de Antônio Sergi e uma das poucas pessoas que tinham o consentimento do maestro para aprender música no piano onde nasceu o hino palestrino. “Ele cuidava desse instrumento musical com muito carinho, não deixava ninguém bater nele. Queria que todos o tratássemos com delicadeza.”

Antônio Sergi (sentado à esquerda) com Gustavo (de branco), Priscylla (de azul) e demais netos

Por influência do avô, Priscylla aprendeu a tocar flauta e violão, além de piano. Do maestro, ela herdou também o amor pelo Palmeiras. Quando criança, costumava frequentar a sede social palestrina ao lado de Antônio Sergi, que gostava de almoçar aos domingos no restaurante do clube.

“Nós crescemos dentro da cultura da Itália e do Palestra. Quando íamos à casa do meu avô, o Palmeiras era sempre o centro das nossas conversas e esse sentimento passou de geração para geração”, relata o também engenheiro Gustavo Gindler Sergi, neto do maestro. “As minhas filhas (Laís e Marina), de 8 e 5 anos, adoram o Palmeiras. Já até sabem o hino.”

Que a dureza do prélio não tarda

O músico ítalo-brasileiro trabalhou até o último dia de vida. No bairro da Aclimação, era a alegria dos vizinhos, que costumavam sair à janela diariamente para ouvir suas composições. “Na casa dos meus pais, não havia um piano. Quando o meu avô nos visitava, ele apoiava as mãozinhas no sofá e, enquanto conversava, mexia os dedos, como se tocasse um piano imaginário. A música era algo fácil para ele”, diz Priscylla.

O hino do clube foi composto em 1949 no piano que será exibido na futura Sala de Troféus do Palmeiras (Foto: Fabio Menotti/Palmeiras)

Totó morreu em 3 de junho de 2003, aos 89 anos. Gustavo se emociona ao rememorar uma história ocorrida durante o velório do maestro. “Passava das 2h da madrugada e estávamos apenas eu e o meu pai velando o corpo do meu avô, que seria enterrado pela manhã. De repente, entraram umas dez pessoas que nunca tínhamos visto. Na hora, pensei: ‘Quem vem a um velório a essa hora?’. Mas reparei que todos usavam gorros da Mancha Verde. Os caras chegaram, cantaram o hino do clube, nos abraçaram e foram embora. Ali a gente viu a ligação entre o Palmeiras e o compositor do hino. Foi uma cena que me marcou muito”, lembra-se.

Além da melodia, Totó também compôs a letra do hino. Como não tinha o hábito de escrever, e sim fazer a regência e os arranjos musicais, nas poucas vezes em que fez letras ele utilizou o pseudônimo de Gennaro Rodrigues. A inspiração do maestro para escrever o hino veio do primeiro jogo do clube após a mudança de nome, em 1942, que garantiu o título paulista à nova equipe alviverde – praticamente todos os versos são uma alegoria daquele episódio, eternizado como Arrancada Heroica.