Departamento de Comunicação
A íntegra desta reportagem está na edição 55 da Revista Palmeiras, disponível no dia 9 de setembro. Baixe agora mesmo o App Revista Palmeiras na Play Store ou na Apple Store!
Após a final do Troféu Ramón de Carranza de 1975, o técnico do Real Madrid-ESP, Miljan Miljanic, encontrou-se no gramado com o ex-treinador palmeirense Oswaldo Brandão, que viajara à cidade de Cádiz, no litoral sul da Espanha, como convidado de honra da diretoria alviverde – semanas antes, ele havia deixado o Parque Antarctica para assumir a Seleção Brasileira. Miljanic, um montenegrino de poucas palavras, confessou a Brandão o seu deslumbramento com a qualidade do adversário. “Hoje não haveria time capaz de conter o Palmeiras no segundo tempo. Meus jogadores cansaram e perder foi lógico”, reconheceu.
A vitória por 3 a 1 contra um dos maiores clubes do mundo completa 45 anos neste dia 31 de agosto e rendeu ao Alviverde o tricampeonato em uma das competições mais tradicionais do verão europeu. Campeão também em 1969 e 1974, o Palmeiras é o time brasileiro com maior quantidade de taças do Ramón de Carranza, ao lado do Vasco, ganhador em 1987, 1988 a 1989.
Aula de futebol
Para erguer o troféu, a equipe treinada por Dino Sani precisou superar, além de fortes oponentes, o cansaço. A delegação chegou a Cádiz em 27 de agosto e, três dias depois, estreou diante do Real Zaragoza, vice-campeão espanhol naquele ano. Não houve tempo para comemorar o triunfo por 1 a 0, gol de Ademir da Guia. Em menos de 24 horas, o Alviverde voltou ao Estádio Ramón de Carranza para duelar com o Real Madrid, que tivera um dia a mais de recuperação após bater o Dínamo Moscou-RUS por 2 a 1.
“Depois do primeiro jogo, nós fomos jantar e chegamos ao hotel às 4h da manhã. Não estávamos adaptados ao fuso horário e nosso período de repouso foi curto”, lembra o ex-goleiro Emerson Leão.
Segundo o relato do jornal “Folha de S. Paulo”, que noticiou o feito palmeirense na capa da edição, “a correria maluca” imposta pelo time madrilenho, que faturaria o bicampeonato nacional naquela temporada, “desnorteou” alguns jogadores do Verdão nos primeiros minutos. Suportada a pressão inicial, contudo, o Palmeiras fez valer sua superioridade técnica e só não abriu o placar antes do intervalo porque Leivinha desperdiçou um pênalti – o goleiro Miguel Ángel defendeu no canto direito, aos 42.
“O Real Madrid tinha grandes jogadores”, recorda-se o ex-zagueiro Luís Pereira, citando o meia Breitner e o atacante Netzer, campeões mundiais com a seleção alemã em 1974, e o volante Vicente del Bosque, técnico da Espanha na conquista da Copa de 2010. “Mas nós também tínhamos uma excelente equipe e sabíamos que, se ditássemos o nosso ritmo, as oportunidades iriam aparecer.”
O segundo tempo foi uma aula de futebol dada pelo time eternizado na história como a Segunda Academia. Aos nove, Edu Bala tabelou com Leivinha e surpreendeu Miguel Ángel ao finalizar de carrinho. Três minutos depois, o próprio Leivinha ampliou a vantagem em uma bela jogada individual pela esquerda. Aos 20, Nei cruzou para o recém-contratado Itamar fechar a conta de cabeça.
O gol de honra espanhol, anotado por Breitner aos 38, em nada atenuou o impacto causado pela atuação palmeirense. A edição de 1º de setembro do diário esportivo “As”, de Madri, trouxe em sua capa a manchete “Palmeiras, campeon” sobre uma foto do esquadrão.
Já a edição de 2 de setembro do periódico “ABC”, também da capital espanhola, exaltou a maneira de jogar dos brasileiros: “O Palmeiras é um conjunto que desenvolve um jogo em duas ou três velocidades, da forma como quer conduzir o seu ‘veículo coletivo’. Tem a cadência suave e o ritmo lento de Ademir e Edson, mas, de repente, todos aceleram e lançam para os velozes pontas Edu e Nei”.
Levantando voo
O assédio aos craques alviverdes foi o ônus do sucesso internacional alcançado pelo clube. Durante o voo de volta a São Paulo, Leivinha e Luís Pereira foram chamados para conversar com dois dirigentes do Atlético de Madrid-ESP que viajavam na primeira classe.
“Eles perguntaram se gostaríamos de atuar na Espanha e respondemos ‘sim’. Isso aconteceu em uma terça. Na quinta, tivemos de pegar um avião para a Espanha porque a janela de transferências fechava na sexta. Foi tudo muito rápido”, rememora Luís Pereira. “Quando eu era menino, tinha prometido para o meu avô espanhol que um dia jogaria no país dele”, relembra Leivinha. “Graças ao tricampeonato do Carranza, consegui honrar a minha palavra e vestir uma das principais camisas do futebol europeu”, completa.
Ambos não demoraram a ganhar a admiração dos colchoneros, como são apelidados os torcedores do Atlético de Madrid. Em sua temporada de estreia, Leivinha foi o vice-artilheiro da Liga Espanhola, com 18 gols, e ajudou o time da capital a ganhar a Copa Generalíssimo (atual Copa do Rei). Já Luisão, que trabalha na Base da equipe espanhola desde 2001, teve papel de destaque na conquista do título nacional em 1977 e foi tricampeão do Ramón de Carranza pelo Atlético em 1976, 1977 e 1978, como havia sido com o Palmeiras em 1969, 1974 e 1975.
Equipe reformulada
A venda da dupla intensificou o processo de reformulação do elenco palmeirense, iniciado com a saída do artilheiro César Maluco em 1974 e a aposentadoria do volante Dudu no começo do ano seguinte. Quando o Verdão se sagrou campeão paulista em 1976, nomes como Eurico, Alfredo e Zeca já haviam perdido espaço entre os titulares.
Da escalação que todo palmeirense conhece de cor e salteado, restou o quarteto formado por Leão, Ademir da Guia, Edu Bala e Nei.
O baile contra o Real Madrid foi, portanto, o gran finale de uma equipe que, não satisfeita em dominar o futebol brasileiro no início dos anos 1970, bateu alguns dos maiores do mundo.
“Respeitar é diferente de ter medo”, ensina Edu. “Nós respeitávamos os grandes times da Europa, como Real Madrid e Barcelona, mas não tínhamos medo deles. Nossa equipe jogava sempre da mesma forma e podia vencer qualquer adversário. Agradeço sempre a Deus por ter me dado a chance de fazer parte da Segunda Academia”, acescenta.
História para os netos
Contratado com a difícil tarefa de suceder o artilheiro César Maluco, Itamar teve vida curta no Palmeiras. Em sua passagem de um ano e meio, disputou 45 partidas e fez dez gols, o mais importante deles na final do Ramón de Carranza de 1975. “Nem todo avô pode contar para os netinhos que marcou no Real Madrid”, sorri o ex-jogador de 70 anos, que mora em Maringá (PR).
Itamar chegou ao Alviverde uma semana antes da viagem do time à Espanha. Despertara o interesse da diretoria palmeirense atuando pelo Marília, clube do qual é o maior artilheiro da história, com 69 bolas na rede. No Palestra, disputou posição com Mário Motta e Toninho, fazendo parte do grupo campeão paulista em 1976.
“Eu era um jogador de área. Chutava com as duas pernas e sabia cabecear. Ou melhor, achava que sabia. Quando vi o Leivinha cabeceando, descobri que eu era péssimo no jogo aéreo”, brinca.
Negociado com o Grêmio Maringá no início de 1977, Itamar ganhou fama no futebol paranaense, onde conquistou o título estadual pelos rivais Maringá e Londrina. Após pendurar as chuteiras, em 1981, treinou diferentes clubes da região Sul e do interior de São Paulo.
Apito inimigo
A péssima arbitragem do português José Baltazar impediu que o Palmeiras conquistasse o tetra do Ramón de Carranza em 1976. Clube brasileiro que mais vezes disputou o torneio (esteve presente também nas edições de 1981 e 1993, totalizando seis participações), o Verdão perdeu na semifinal para o Athletic Bilbao-ESP por 2 a 1. “Não queriam que ganhássemos de novo”, lamenta Ademir da Guia.
Segundo a edição 71 da revista oficial do Athletic, publicada em setembro daquele ano, as queixas palestrinas começaram na etapa final, com o placar em 1 a 1, após o lateral Rosemiro sofrer uma falta dura do volante Oñaederra. O goleiro Leão cobrou do juiz a expulsão do adversário e recebeu o cartão vermelho juntamente com o zagueiro Astrain, com quem trocara empurrões. A punição obrigou o técnico Dudu a substituir o ponta Nei pelo arqueiro Bernardino.
A revolta dos palmeirenses se agravou aos 43, quando Toninho anotou o gol que seria o da vitória alviverde. “Seria”, porque Baltazar o anulou por impedimento, de acordo com o jornal espanhol “El Pais”. Para completar, o Athletic fez 2 a 1 no último minuto dos acréscimos, considerados excessivos pelos jogadores do Palmeiras.
Sem contar com Leão na disputa pelo terceiro lugar, contra o Nacional-URU, Ademir teve de assinar a súmula como goleiro reserva, pois não havia outro atleta da posição na delegação. Machucado, o Divino não atuou na goleada palestrina por 4 a 1.
Novo nome
Inaugurado em 1955, o Estádio Ramón de Carranza, em Cádiz, na Espanha, está prestes a trocar de nome. Em fevereiro do ano passado, o Ministério da Justiça ordenou que as cidades do país cumpram a Lei de Memória Histórica, em vigor desde 2007, e retirem do espaço público todos os símbolos da ditadura franquista, regime que matou e torturou milhares de pessoas de 1939 a 1975.
Ramón de Carranza foi prefeito de Cádiz e apoiou as tropas do general Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Com a iminente mudança no estádio, é provável que o torneio conquistado três vezes pelo Palmeiras também receba outro nome.
Caminho do tri
1969
Semifinal – Palmeiras 1 (2) x (1) 1 Atlético de Madrid-ESP
Final – Palmeiras 2 x 0 Real Madrid-ESP
1974
Semifinal – Palmeiras 2 x 0 Barcelona-ESP
Final – Palmeiras 2 x 1 Espanyol-ESP
1975
Semifinal – Palmeiras 1 x 0 Real Zaragoza-ESP
Final – Palmeiras 3 x 1 Real Madrid-ESP